A Mulher no governo Bolsonaro, por Luana Monteiro.

Acredito que muitas pessoas devem ter se questionado sobre como seria a questão feminina em um governo que, na própria campanha, além de menosprezar, utilizava um expediente de constantes afirmações inferiorizando as mulheres.

Ainda no período das eleições, presenciei muitos questionamentos, e até fui autora de alguns, sobre como podiam mulheres, negros, LGBTQIA e demais minorias ser capazes de votar em alguém que claramente atacava seus grupos e ameaçava diretamente sua existência. Defendi esse ponto de vista até perceber que era um tanto pueril pautar meu debate numa essencialização dos movimentos. Hoje, com um pouco mais de sensibilidade, consigo enxergar que as pessoas de fato são diferentes e passam por variadas situações e estímulos diversos que compõem seu percurso e suas escolhas. Nessa mesma linha de raciocínio, não há sentido em afirmar que uma mulher não poderia ser machista pelo simples fato de ser mulher. Cresci entre mulheres, me socializei e socializo até hoje com dezenas delas e vejo o machismo, por menor que seja, na educação como um todo, sendo o ser educado homem ou mulher.

O fato é: a crença no “mito” – partindo do conhecimento das frases preconceituosa ou de alguma fake news – o levou ao poder. Ele governa há pouco mais de dois meses e meio e sua presença é dificilmente evitada.

A força popular de apoio ao então presidente se manifestou no histórico de crimes de ódio cometidos por seus seguidores ainda no ano de 2018 – em campanha e quando foi eleito. O número alarmante de ataques contra mulheres, pessoas LGBTQIA e negros fez crescer o medo e insegurança das minorias diante do ódio disseminado por aqueles que defendem o armamento,  dizem defender a pátria e a família e não conseguem respeitar o próximo.

A política, ainda pouquíssimo representada por mulheres, presencia situações de extermínio dessa minoria, como vimos com a morte de Marielle Franco em 14 de março de 2018. Crime esse que somente depois de um ano teve seus responsáveis apontados e presos nos permitindo ver a ponta de um iceberg. A prisão de dois dos integrantes do crime organizado de milicianos do Rio de Janeiro trouxe a reboque evidências de uma forte ligação entre o grupo de extermínio e a família Bolsonaro.

Em janeiro do ano vigente vimos a pasta dos Direitos Humanos e das minorias ser transformada no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e tendo como ministra Damares Alves, uma pastora evangélica que não deixa de lado suas convicções para atuar publicamente no ministério. Sua presença mais se assemelha a uma doutrinação. A afirmativa não é vazia, basta que lembremos o conteúdo de algumas de suas alegações públicas, onde afirma que o Estado Brasileiro pode até ser laico, mas sua atuação é cristã; que não é a política que vai mudar a nação, mas a igreja evangélica; que os Direitos Humanos podem levar a família brasileira ao fim; que o padrão ideal de sociedade é aquele em que o homem trabalha, ocupa o espaço público, e a mulher fica em casa e cuida dos afazeres domésticos, aguardando que esse homem solucione suas necessidades. Além do mais é contra o direito da interrupção voluntária da gravidez e considera ilegítima a escolha que uma pessoa faz sobre a sua própria sexualidade.

O desgaste nas tentativas de discutir e gerar equidade social para as mulheres não fica restrito às escolhas feitas pela equipe do governo. A reforma da previdência é mais um ataque cruel e desmedido às mulheres. A idade mínima aumentou dois anos, foi de 60 para 62 anos, para trabalhadoras urbanas, e além disso o tempo de contribuição ficará equiparado para mulheres e homens, o mínimo de 20 anos. E aqui reside um dos agravantes mais silenciosos dessa reforma.

De acordo com a Pnad Contínua do 4º trimestre de 2018, as mulheres constam com menor nível de ocupação em postos de trabalhos formais e informais que os homens, “Já na população desocupada[1], no quarto trimestre de 2018, as mulheres eram maioria (52,1%). Em quase todas as regiões, o percentual de mulheres na população desocupada era superior ao de homens”. (Pnad). Isso sem contar que os trabalhos ocupados por mulheres oferecem condições mais desfavoráveis.

Nós estamos tratando da parcela da população que quando empregada possui dois turnos de trabalho, porque realiza no mínimo vinte horas semanais de trabalhos domésticos. Nós não estamos tratando de uma simples categoria ou de números estatísticos pouco tangíveis. Estamos falando das nossas mães, nossas irmãs, nossas tias, nossas amigas. Estamos tratando da realidade sensível e da segurança social que cada parcela da população deve receber e não ser abandonada como visam as propostas de reforma.

A pauta em questão é o fim da nossa busca por equidade de gênero, pois são as mulheres que mais ocupam vagas que não assinam suas carteiras. São as mulheres que mais se aposentam por idade e não por tempo de contribuição, já que passaram a maior parte das suas vidas dedicadas a empregos informais por falta de escolha. Quando trazemos a questão racial vemos um maior agravante: são as mulheres negras que recebem as menores remunerações no mercado de trabalho.

Eu vejo nas propostas de reforma uma clara declaração de morte e miserabilização do governo para com a população que contribuiu sua vida inteira para ter dignidade na velhice. A previdência é uma questão de seguridade social – neste ponto rogo ao leitor que reflita sobre o significado do termo. Ela não é um simples investimento para que os bancos e empresários ponham suas garras e decidam como gerenciá-la melhor. Ela é composta de recolhimento de impostos vindos do povo e é a ele que deve retornar. As propostas de reforma da previdência tratam de pauperizar a população, mais do que isso, tornar o principal alvo desse empobrecimento, a parcela feminina.

São inúmeras e vergonhosas as consequências causadas em tão pouco tempo ao nosso país. Enquanto isso, a população feminina, que não é pouco numerosa, incluindo a parcela que apoiou e/ou apoia o então governo, segue se vendo reduzida a “mimimi” e chacota. Assuntos que estavam recebendo a devida seriedade para serem discutidos, passam a ser esquecidos, minimizados. O que esperar para o futuro do Brasil?

[1] Cabe aqui uma crítica ao termo “desocupada” utilizado pelo próprio Pnad. É importante ressaltar que estar desempregada não quer dizer necessariamente desocupação, visto que as mulheres acumulam trabalhos domésticos, cuidados com os filhos e em muitos casos o cuidado de outros parentes.

Luana Monteiro

Cientista social, mestre em Sociologia (UECE) e pesquisadora.

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Luana Monteiro

Cientista social, mestre em Sociologia (UECE) e pesquisadora.

1 comentário

  1. Norma silva

    Eu continuo sem entender: O que leva uma pessoa a defender, proteger e até amar o seu próprio agressor?
    Bolsonaro é um agressor de mulheres. Eu acredito que as mulheres eleitoras de Bolsonaro têm uma personalidade masoquista.