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A MORTE DA IRONIA

Quando eu digo que de tantas e tamanhas perdas, as mais significativas são a do humor, a percepção e o cultivo da ironia, acham algumas boas criaturas, otimistas pontuais, que me tornei pessimista, por descuido ou desvio de caráter.

A influência dos programas cômicos da tevê expulsaram de nós brasileiros aquele impulso moleque e satírico personificado no humor carioca.

No cinema brasileiro, perdura até hoje o viés de chanchada de teatro mambembe. O “Zorra Total” tornou-se símbolo da graça sem graça das quedas e escorregões nos programas de melhores horários e de grande audiência. Reedição tardia do cinema-mudo que encantava os da minha geração.

A crítica política é, no mais das vezes, chã e grosseira, de tal modo irrita quem as ouve; não traz o sabor da sátira, que para tanto faltaria “espírito” e fineza; ofende, porém não belisca, nem provoca o riso que desnuda a imbecilidade dissimulada dos néscios.

A conversa, interlocução que mantém o ritmo e a malícia das opiniões em contrário, não alcança, via de regra, o tom vivo e perspicaz que qualifica os “causeurs”, segundo classificação vigente entre franceses inteligentes. Quando eles pareciam ser inteligentes.

Sobre os meus pobres escritos, pouco lidos, sei perfeitamente quem, dentre os amigos mais indulgentes, os lerá com um riso discreto e malicioso diante das críticas cuidadosamente dissimuladas nas entre-linhas do texto.

É preciso ter cuidado com o riso provocado pela ironia: é uma infração perniciosa e anti-democratica pela própria natureza.

Outros leitores, menos solidários com as minhas arrelias, não percebem a intenção do chiste ou da ironia. E se os percebem, iginoram-nos por prudência e medo de uma súbita demonetização judicial.

Nestes momentos, corro para o velho Eça e o bravo Machado em busca de ajuda para clarear a minha razão e favorecer-me com palavras e intenções nas minhas evoluções de ironia mal costurada. Já pensei em prevenir algum leitor distraído com o aviso — “Cuidado, lá se vai uma ironia: procure rir, sem dar na vista…”

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