A Marca, por JANA

Quando certa manhã ele acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado…Foi assim.

Não era e nunca foi inteligente e culto. Na verdade, era tonto e inseguro. Sua vida era um mar sem ondas e sem sal, um mar morto. Não havia um só ato concreto a recomendá-lo. Chegava atrasado nos debates e nas ideias. Mal conseguia expressar-se com clareza. Vida profissional e vida pessoal eram marcadas pela falta de brilho. Passava em branco ou passava mal. Nada nele se destacava. Sua boa estatura e sua boa figura mais confirmavam seu vazio do que sugeriam alguma possibilidade.

Talvez de tanto andar entre as gôndolas de supermercado, quem vai saber, um dia ele acordou e visualizou-se como uma marca. Não se assustou, observou, aceitou. E gostou. Em casa, no quarto, na sala, na cozinha, olhou em volta e sentiu-se assemelhado aos elementos do seu habitat, todas as coisas eram marcadas. À medida que as horas do dia foram se desdobrando ele foi incorporando o espírito de marca. Nos dias que se seguiram, também fora de casa, nas relações com os filhos e os outros, assumiu-se como uma marca e acelerou o processo de integração ao ambiente.

Moralmente flácido, sem caráter, intelectualmente oco, foi conformando-se. E assim adaptou seu modo de falar e de agir à nova realidade e suas circunstâncias. Nada de discursos. Uma marca comunica-se por frases curtas, diretas, mesmo que vazias. Não precisa dizer a verdade, e muito menos é crime mentir. Marcas repetem, e repetem, e quanto mais repetem, melhor. Tudo vira slogan. Discursos, nem pensar. Só anúncios, narrativas curtas. Explicar-se, jamais, aprofundar-se, nunca, melhor apenas sugerir, e cada um que preencha os claros no próprio juízo.

Um samba diz mais no breque do que em toda a harmonia.  Marcas são fluidas, líquidas. Sabe aquele refrigerante de gosto ruim, que só se pode tomar gelado, que provoca obesidade e diabetes? É uma marca de sucesso mundial entre gregos e troianos, adorada por crianças e adultos, simboliza vida saudável, alegria e família.

Surpreendeu-se consigo mesmo a marca — estava tendo pensamentos sofisticados, pensou.

A marca tem um território bem definido, seu mercado, seu público-alvo. Nada é tão decisivo na vida pública quanto a ciência do Marketing. Pesquisa-se a expectativa e o desejo do público, define-se um produto, com embalagem e tudo, depois é só anunciar. Não funcionou? Anuncia mais. Ainda não? Repete mais, e mais, e mais. Os mercados sempre se abrem, as pessoas compram e consomem tudo, tantos e tamanhos são os instintos, rasos ou profundos, abertos ou inconfessáveis  a satisfazer.

A mensagem, no caso dele, tem que ser dirigida aos diabinhos que há em cada pessoa, nunca aos anjinhos que possam habitar dentro dela. O que move o mundo e mobiliza pessoas são a ganância, a competição, a acumulação, o medo, o poder sobre o outro, a derrota de alguém, a superioridade sobre o vizinho, o ódio ao diferente. Fale aos preconceituosos e violentos. É isso, a Marca vibrava com sua própria criação, com seu design e, digamos, com seus valores, com sua consciência.

E ele, a marca, passou a chamar-se Marca. E nos churrascos, nos gabinetes e nos aeroportos, os diabinhos, quer dizer, as pessoas o chamaram pelo nome, Marca, Depois gritaram, aplaudiram, aderiram. Pronto, estabeleceu-se. Basta agora anunciar. E repetir e falar direto aos instintos, usando nos canais certos a mensagem crua.

Toda marca é uma oportunidade de investimento e de mercado. Os homens do dinheiro graúdo logo se aproximaram e fizeram suas ofertas de parceria, financiamento e apoio.  Os graúdos da política traçaram o caminho, as articulações de poder, as conexões decisivas.

A Marca chegou lá. Não há mais limites para a Marca. O mercado pode ser conquistado, o poder pode ser alcançado, o país  está sendo vendido.

Agora tudo é dinheiro. Como dizia o anjo pornográfico, o dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro. A política torna tudo possível.

Jana

Janete Nassi Freitas, nascida em 1966, fez curso superior de Comunicação, é expert em Administração, trabalhou como executiva de vendas e agora faz consultoria para pequenas e médias empresas, teve atuação em grêmios escolares quando jovem, é avessa a redes sociais embora use a internet, é sobrinha e neta de dois vereadores, mas jamais engajou-se ou sequer chegou a filiar-se a um partido, mas diz adorar um bom debate político. Declara-se uma pessoa “de centro”. Nunca exerceu qualquer função em jornalismo, não tem o diploma nem o registro profissional. Assina todos os textos e inserções na internet como “Jana”.

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Janete Nassi Freitas, nascida em 1966, fez curso superior de Comunicação, é expert em Administração, trabalhou como executiva de vendas e agora faz consultoria para pequenas e médias empresas, teve atuação em grêmios escolares quando jovem, é avessa a redes sociais embora use a internet, é sobrinha e neta de dois vereadores, mas jamais engajou-se ou sequer chegou a filiar-se a um partido, mas diz adorar um bom debate político. Declara-se uma pessoa “de centro”. Nunca exerceu qualquer função em jornalismo, não tem o diploma nem o registro profissional. Assina todos os textos e inserções na internet como “Jana”.

1 comentário

  1. CLAUDIO

    Nada como ser um avestruz, em um momento que está assando a batata do Marreco de Maringa, a “jornalista” faz de conta que não e nada e escreve uma artigo sem pé nem cabeça…Seria melhor uma receita de bola, ficaria pelo menos um artigo útil.