Surgia, concomitantemente, a acumulação de valor e com ele o capitalismo com sua visão mercantilista, utilitária, e insensível ao drama humano, posto que apenas usa a necessidade de consumo para escravizar, tal qual um vendedor de cocaína que vicia o consumidor na necessidade de comprá-la e o escraviza.
As drogas são mercadorias; as mercadorias são uma droga!
Estava decretado o fim do feudalismo fisiocrata e suas formas políticas pessoalmente autocratas, e surgia o republicanismo politicamente descentralizado, cujo grande ditador é o próprio capital, o sujeito automático da forma-mercadoria.
Enganam-se os Ministros do Supremo Tribunal Federal e tantos quantos invocam a postura republicana como algo isento de parcialidade e neutro.
d) o Estado, a política, o mercado, o capital fictício – o capitalismo exigia uma forma política que lhe fosse consentânea. O Estado moderno, republicano ou ditatorial, e mesmo o Estado monárquico absolutista e/ou constitucional, funcionam na chamada modernidade sob as ordens do capital.
Nas democracias burguesas o Estado, seja liberal ou keynesiano, termina sempre cumprindo o papel de força auxiliar do capital. Agora, com a exigência empírica da subvenção da vida mercantil paralisada em grande parte pelo isolamento social, o Estado ganhou um protagonismo que vinha sendo eclipsado pelo liberalismo de algumas décadas anteriores.
Desde a crise de 2008/2009 o Estado entrou em cena com o endividamento extraordinário como forma de dar sustentação ao iminente colapso causado pela trincadura do motor capitalista. Mas o artificialismo do socorro Estatal via (des)controle monetário tem prazo de validade.
A criação de bolhas financeiras que surgem a cada dia (a mais recente é a supervalorização sem substancia das criptomoedas) que logo se mostrarão como verdadeiras arapucas do sistema financeiro, é o mais eloquente exemplo de desconexão do capital com seus conceitos de validade lógico-econômicos.
A falência Estatal, que é para onde agora corre o capital fictício sem retorno advindo nas atividades da chamada economia real (produção e circulação de mercadorias), logo evidenciar-se-á como o fato causador do crash do sistema financeiro mundial.
Ora, o Estado não pode continuar a emitir moeda sem lastro indefinidamente, porque se assim fosse possível não precisava da sincronia entre produção de mercadorias e sua comercialização; bastaria que todos produzissem à medida da necessidade de consumo, sem remuneração, e o dinheiro cairia de helicóptero (como alguém já sugeriu) distribuído generosamente.
Mas não é assim que funciona a segregação capitalista, e é a contradição dos seus próprios fundamentos em fase de limite existencial o que está a exigir a sua própria superação, como já ocorreu com outros modelos de mediações sociais ultrapassados.
Por sua vez, a política enquadrada dentro de tal circunscrição limitada, e fazendo parte do circuito das correias de transmissão da lógica do capital, perde completamente a sua capacidade de soberania de vontade.
Mas, paradoxalmente, o protagonismo Estatal que atualmente funcionada como boia de salvação do naufrágio capitalista, tem no segmento político um protagonismo de igual necessidade, ainda que ambos sejam ineficazes quanto à verdadeira superação das causas de todo a miséria social objetiva e subjetiva da qual são partes ativas.
Os políticos e seus partidos atuam dentro de um contexto de crise do capital como se estivessem alheios às causas que estão subjacentes à falência sistêmica.
Discutem-se medidas paliativas da crise, emergenciais, como se tais discussões atingissem o cerne dos problemas; e como a população não compreende (apenas sente os efeitos nefastos) a negatividade de toda esta entourage político-econômica que lhe oprime, tudo segue com dantes do quartel de Abrantes.
Mas somente até que os famélicos insatisfeitos caminhem em multidões para o Palácio de Versailles dos Bourbons ou para o Palácio de Inverno dos Czares.
Hoje temos uma montanha de capital fictício (expressão cunhada por Marx para designar o capital que aposta num retorno aumentado como sócio financeiro na extração de mais-valia e lucros do capital) que jamais retornará, seja aumentado ou não. Simplesmente não haverá mais lucros capazes de fazer a máquina do capital continuar girando em sua necessária, inatingível e eterna busca do infinito.
Enquanto o capital necessita aumentar constantemente, a possibilidade de sua expansão empírica, dentro do conceito de capital que se transforma em mercadoria, e que se transforma em mais dinheiro (Marx), tal processo tem limite existencial de expansão limitado e, consequentemente, diferenciado. Esta conta não fecha, e em algum momento do seu desenvolvimento a máquina vai gripar. Estamos às vésperas de tal hecatombe financeira.
Esta é uma contradição insolúvel dentro da lógica capitalista e estamos a atingir tal momento de contradição irreversível e apocalíptica para os seus pressupostos objetivos mesquinhos e subjetividades desumanas. Teremos que buscar outra lavagem de roupa, como se diz popularmente no nordeste do Brasil aos desempregados crônicos.
O mercado, tido como a mão invisível (Adam Smith) capaz de tudo equalizar pela concorrência entre as mercadorias, apenas demonstrou a tirania de seus pressupostos utilitários e insensíveis, agindo dentro dos estreitos marcos delimitados pela autofagia da concentração da capacidade de produção em escala de mercadorias, colapsando segmentos inteiros de produção anteriormente existentes.
Uma pequena fazenda já não se torna viável para a produção de determinadas mercadorias no confronto épico do mercado, e no nordeste muitas delas estão simplesmente abandonadas;
– a produção de bens tecnológicos com o uso da robotização que elimina custos de produção fecha as portas aos trabalhadores e lança ao desemprego gerações deles numa mesma fábrica, que se incorporarão aos muitos já tornados supérfluos pelo desemprego estrutural (a criação de novos nichos de empregos e inferior à dispensa hodierna);
– os sindicatos mendigam por uma oportunidade para que seus associados sejam explorados pelo capital;
– os pequenos comerciantes fecham suas portas por não terem como fazer frente às grandes cadeias de lojas (como as farmácias que polulam a cada esquina numa corrida fratricida entre grandes conglomerados). O comércio popular abriga lojas nos espaços recém-abandonados pela alto padrão aquisitivo voltado para os shoppings, tornando cada vez mais visível o apartheid social;
– surgem grandes shoppings centers armados até os dentes oferecendo proteção a uma pequena parte da população que ainda tem poder aquisitivo para gozar de tais confortos de segurança e comodidade;
– o crime organizado amplia seus tentáculos e a corrupção grassa solta numa decomposição social própria a uma sociedade que perdeu suas referências de virtudes e na qual somente é respeitado quem sabe trafegar em tais águas turvas (um bicheiro é mais respeitado e respeitado do que um desconhecido cientista que ajuda a descobrir a vacina);
– o quadro de violência e mortes (principalmente de jovens pretos e pobres da periferia) clama pela proteção do Estado (que oprime a quem por ele clama) incapaz de fornecer tal serviço a contento, e surgem as milícias armadas como um misto de extorsão e proteção paga pelos amedrontados cidadãos;
– a saúde e a educação são cada vez mais precarizadas (principalmente em meio a uma pandemia de proporções gigantescas) porque o Estado falido mal tem recursos para o pagamento de juros da dívida pública (que são cobrados com extorsão aos países da periferia do capital, diferentemente do que ocorre com o G7) e para a manutenção das instituições e propósitos capitalistas para os quais foi criado;
– o Poder Judiciário e sua máquina administrativa já não tem estrutura administrativa para o cumprimento das leis burguesas que protegem o capital, e os magistrados têm salário diferenciado ao do trabalhador de base em proporção de 30 a 40 vezes a maior em um único mês;
– o segmento político é considerado pela maioria da população como falsos representantes da vontade popular, elitista e corrupto, e eleitos por um sistema eletivo corrompido dos pés à cabeça (notórios criminosos têm assento nas cadeiras legislativas, ou mantêm seus representantes ali assentados; é bancada da bala, do latifúndio, da grilagem de terras, do agronegócio, da extração mineral predatória, da liberação de jogos, dos bancos, etc., etc., etc.);
– o tráfico de drogas se instala definitivamente com o enlouquecimento das usuários que, dependentes e pobres, tornam-se aliados criminosos da cadeia do crime organizado, infelicitando famílias inteiras.
Basta!
A constatação é de que vivemos numa sociedade doente. A causa de tal infortúnio tem natureza objetiva e subjetiva.
Objetivamente a culpa é do capital que roda em falso por conta das contradições de seus fundamentos que atingiram o ápice de sua distopia funcional.
Subjetivamente o capital tem uma natureza criminosa, vez que começa pela apropriação indébita de valor produzido pelos trabalhadores abstratos que proporcionam o incrível acumulo de riquezas nas mãos de uns poucos.
Ensina-se, subjetivamente e até imperceptivelmente, que o crime compensa, desde que seja em grandes proporções e sob amparo legal; a competição se opõe à solidariedade numa guerra fraticida e é tida como instrumento de aferição da repugnante meritocracia, tida como justo reconhecimento dos mais capazes em detrimento dos menos capazes ou inadaptados à sua autofagia.
Será que diante de tudo isto não devemos questionar o modelo de socialização pelo capital???
Será que devemos insistir no aperfeiçoamento do que é por natureza imperfeito???
Será que é crime contra os sagrados princípios republicanos da democracia burguesa pugnar por algo diferente deles e do seu pseudo oposto, a ditadura militar ou civil???
Devemos aliar o conhecimento teórico às ações práticas, e por ações práticas não devemos considerar os alinhamentos políticos institucionais submissos ao sujeito automático da forma-valor de modo bem comportado como gado que segue num corredor rumo ao matadouro com lágrimas nos olhos.