O mundo vive hoje um daqueles momentos da história nos quais se observam a falência dos paradigmas estabelecidos como válidos e imutáveis e se escancaram as falácias dos conceitos que até então eram tidos como corretos.
É que o processo dialético da existência humana em suas relações sociais estabelece critérios de sociabilidade e da própria existência que mesmo que não sejam convenientemente observados, terminam por criar impasses de tais formas contundentes que terminam por vir à tona como as lavas de um vulcão em ebulição a expelir fogo desde o interior de suas profundezas.
Trata-se da inconciliabilidade entre o conhecimento adquirido coletivamente e colocado em prática em confronto com as velhas práticas que tornam estas últimas insuportáveis diante do novo que se impõe como necessário.
O recente encontro da ONU – Organização das Nações Unidas – em Nova Iorque, que reuniu a maioria dos representantes políticos das nações, num mundo de nações desunidas pelo capital, que é o fato causador da ausência de dois dos principais representantes do bloco dos BRICs e detentores de vastas regiões territoriais na Ásia e Eurásia, como a Rússia e China, demonstrou a incapacidade dos organismos internacionais de fazeres proposições substantivas, capazes de debelarem problemas como:
– o aumento da fome no mundo em meio a tantos avanços tecnológicos, como contradição explícita do uso indevido do saber em benefício da humanidade;
– o aquecimento global, que tem causado graves transtornos (inclusive aos países ditos ricos), fruto de uma renitente emissão de gás carbônico na natureza pelo processo de industrialização e produção de mercadorias voltado para a competição na destrutiva guerra da concorrência de mercado;
– a emigração de populações do sul global para o norte em busca de trabalho abstrato extrator de mais-valia, única forma imposta como modo de obtenção de recursos para o atendimento das suas necessidades básicas de consumo, e de empregos escassos que já têm diminuído substancialmente até mesmo nos países que detêm hegemonia econômica (ao invés de se eliminar empregos – trabalhos abstratos produtores de valor – buscam-se desesperadamente os ditos cujos);
– as guerras mundiais que se transformam em carnificinas humanas que bem demonstram o grau de incivilidade que grassa nas relações internacionais ditadas pelo poder econômico em crise;
– a violência nos centros urbanos, o alto índice de criminalidade, crescimento do crime organizado e consumo de entorpecentes, fenômenos que são tratados como casos de polícia pelas nações que já não têm como conter este fenômeno mundial, mais expressivo nos países empobrecidos, a grande maioria;
– aumento dos chamados favelamentos e cortiços fruto da incapacidade das populações empobrecidas poderem ter acesso à moradia digna, que é também um dos fatores responsáveis pelo crescimento do número de moradores em situação de Rua.
Ufa!!! Paremos por aqui na citação de desgraças que todos conhecemos e que infelizmente nos acostumamos a conviver equivocadamente com elas como se fossem naturais ou apenas decorrentes de más administrações públicas ou da corrupção com o dinheiro dito público.
Diante de um quadro como este, o que é um estadista, ou seja, alguém que enquanto representante de uma nação se torna líder no concerto das nações?
O Estadista mais não é do que um estatista;
– o estatista nada mais é do que alguém que, sendo neoliberal ou neokeynesiano, positiva o Estado e o entende como ente capaz de cobrar impostos para prover as necessidades básicas da coletividade, que jamais são atendidas substancialmente, e induzir o crescimento econômico (ora impossível de ser retomado) procedimento que representa a tentativa da cura do mal com uma dose maior do próprio mal, ou seja, mais capitalismo predador da natureza graças à guerra fraticida da concorrência mundial de mercado e mais tecnologia industrial aplicada à produção de mercadorias, fenômeno que cria o desemprego estrutural, numa demonstração da irracionalidade e contradição de um sistema que cava a sua própria sepultura;
– o estatista neokeynesiano é adepto da ideia de que o Estado deve ser dono de alguns dos meios de produção de mercadorias (quando não de todos), quando o que se sabe é que o conceito utilitário e oportunista da forma-mercadoria, que mais vê o lucro do que a satisfação do consumo, contrasta com o sentido humano de estrutura jurídico-constitucional da vida social e da produção coletiva de bens indispensáveis à vida;
– o estatista neoliberal, quer o Estado mínimo, economicamente forte, sem grandes preocupações de atendimento às demandas sociais, tudo para melhor deliberar sobre a proteção e manutenção do capital privado, sem compreender ou querer aceitar a evidência de que tal modelo mercadológico está falido.
Assim, todo estadista é estatista (num modo ou no outro);
– todo estatista é defensor do Estado opressor cobrador de impostos que somente pode advir da economia capitalista;
– toda a economia capitalista é baseada na extração de mais-valia que é a apropriação indébita do valor produzido individualmente e coletivamente;
– toda apropriação indébita de mais-valia é o que propicia a reprodução e acumulação pretensamente infinita do capital e sua reprodução contínua promotora da segregação social advinda deste roubo;
– todo estatista é nacionalista;
– todo nacionalismo é xenófobo;
Diante de tudo isto é legítimo alguém se pretender estadista?
Lula tem tal pretensão de ser considerado estadista e isto está muito claro nas suas constantes andanças mundo afora, inclusive se apresentando como mediador pacifista voluntário da guerra da Rússia contra a Ucrania, com facciosismo pró-Rússia e China tão evidente e extemporâneo quanto inadequado no conteúdo de suas falas, ora em processo de reformulação. Fala em promoção da paz, e não compreende que o capital, móvel da guerra, e seu pretendido desenvolvimento econômico, é um contraditório e fratricida instrumento de mercado, que não raro descamba para a guerra por detenção de hegemonia econômica, que agora se expressa na formação de blocos econômicos em disputa pelo espólio da decadência capitalista.
Nenhum legítimo pensamento emancipacionista de esquerda pode conceber como válidos os critérios aqui criticados e invalidados, a menos que o
interesse político partidário e apego às exauridas tetas estatais e corporativas causem uma cegueira diante do óbvio.
Lula é estadista?
Se não é, pode vir a sê-lo, mas o que isto representa para uma visão emancipacionista na qual se propõe a libertação contra a opressão do Estado quando:
– se propõe a superação da corrupção original da extração de mais-valia, que não pode ocorrer senão pela superação da trabalho abstrato, tão incensado por capitalistas socialistas keynesianos ou privatistas liberais e sindicalistas, célula primária da sociedade do capital, que segrega, destrói a vida e a natureza, e por fim se autodestrói?
– se propõe superação da cobrança de impostos a uma população economicamente exaurida por múltiplos fatores?
– se propõe a superação da ordem institucional parlamentar burguesa, tão identificada no Brasil pelo bloco denominado “centrão” de tantas posturas antipovo?
– se se propõe uma ordem jurídica constitucional descentralizada, de base, que não suporta estadistas ou salvadores da pátria?
– de um ordenamento jurídico substantivo que seja consentâneo com a melhor ideia de justiça civil, que não pode ser outro senão contra o direito burguês que faz firulas jurídicas doutrinarias para justificar o injustificável?
– se propõe um sistema de produção de bens e serviços voltados para a satisfação plena das necessidades sociais de consumo e que não tenha como critério único de produção a viabilidade econômica geradora de lucro destinado à acumulação excludente?
Sou antiestadista porque sou antiestatista;
Sou antiestatista porque sou contra o Estado, suporte institucional do capital;
Sou anticapitalista porque sou contra a segregação social da abstração valor econômico, trabalho abstrato, dinheiro e mercadorias (e sou, evidentemente, antitrabalhista, porque quero a superação do trabalho e não apenas defesa hipócrita de seus direitos e permanência existencial).
Assim, não há como convergir como o coro de dizer amém da esquerda institucional, estatista, e até com a rede globo de hoje, que difere um pouco da rede globo que filmava as prisões e aplaudia a lava jato, não?