A falência do homo aecomomicus

“Desempregados e subempregados de todo o mundo, uni-vos!

Frase nos muros da Paris sitiada

Observo que há um certo medo de todos (desde a direita fascista e centro direita até a esquerda institucional) em abordar as causas mais profundas da realidade atual mundo afora que incorpora a escassez de recursos financeiros para a maioria da população mundial (e com maior crueldade no hemisfério sul); a falência estatal; e o aquecimento global, quadro que denuncia a decomposição orgânica sistêmica.

Ainda que os efeitos catastróficos do aquecimento global e poluição terrestre sejam assustadores; o desemprego estrutural seja renitente e crescente; e a falência estatal, fenômenos que se apresentam conjugados e simultâneos sejam prenunciadores da catástrofe que está em curso, há uma certa busca de métodos e conceitos ultrapassados para o enfrentamento de problemas que são novos pela intensidade, mas velhos na sua gestação.

A direita fascista apela para a força militar e retrocessos civilizatórios inaceitáveis; o centro direita tanta se equilibrar entre Deus e o diabo; a esquerda apela para a humanização do capitalismo pela via da democracia burguesa, tentando aprimorá-la.

Nenhuma das vertentes políticas institucionais admitem as profundas transformações que se processam no modo de produção social e decomposição da opressora função estatal (que tanto defendem) de apoio ao stablishment econômico em fim de feira.

A direita quer o estado mínimo, forte militarmente e institucionalmente, sem incumbências de atendimento às demandas sociais sempre relegadas a posteriori, para quando o bolo crescer, que está sempre cru ou mal-cozinhado; a esquerda quer um estado intervencionista e empresarial, proprietário, capitalista de estado, repetindo a velha fórmula, e que jamais deu certo.

Ambas têm a mesma base: a relação social mediada pela forma valor, e é justamente este aspecto estruturante que as igualam, ainda que a sensibilidade humanista da segunda faça com que os explorados da extração de mais valia possam atenuar os seus sofrimentos à base de analgésicos.

A discussão política fora de foco, inclusive e principalmente veiculada pela imprensa tradicional, aliada à ignorância sociológica e filosófica da mídia eletrônica moderna (internet) das redes sociais, cujas mentiras agora têm o nome de fake news, faz com que o povo mais pareça com aqueles banhistas despreocupados na praia sem saberem que um tsunami se aproxima.

A direita tenta se apropriar da insatisfação social tentando angariar adeptos com o discurso da meritocracia, disciplina e ordem, como se a metástase orgânica em curso pudesse ser curada com tais pressupostos de ultrapassados e cosméticos conceitos aliados ao discurso conservador e anticivilizatório, no qual defendem que o nexo causal se transforme em solução.

A direita fracassa na impopularidade da escassez popular de recursos materiais causada pela propriedade dos bens de produção estatais e privados produtores de valor dos quais se torna dependente, e de recursos financeiros abstratos sob a forma salarial, inevitavelmente e necessariamente acumulados e concentrados pela lógica ditatorial e impositiva do capital.

Mas há uma esquerda independente, revolucionária, emancipacionista, reflexiva diante da realidade caótica e cáustica, que vai buscar na lógica e sentimento humanista a compreensão sobre a ilogia do capitalismo, e bebe na fonte marxiana da crítica da economia política os fundamentos de tamanha caoticidade.
Há, também uma esquerda impulsiva, que age intuitivamente, sem base teórica, mas revoltada com a opressão visível e sentida, que certamente pode se unificar a partir de um elemento aglutinador.

Somos nós, os humanos, que estamos a promover o caos, e ainda que o sujeito automático do valor ganhe autonomia pela via do fetichismo da mercadoria e se independentize e se volte contra o seu criador, os humanos, os mesmos humanos são os únicos que podem superar o mal que causam a si mesmos é à natureza.

Há claros sinais de pensares fora da caixa mundo afora e que mesmo dispersos e pontuais convergem para uma conclusão inafastável: a relação social sob a forma-valor, se sempre foi segregacionista, agora se tornou inviável, e até mesmo os poucos muito ricos se veem atingidos por fenômenos climáticos não seletivos, ameaçam a vida de todos, indistintamente.
Quando em vários continentes, e por intelectuais e acadêmicos que não se comunicam entre si como membros de partidos ou movimentos, e mesmo sem convergirem na análise da crise, denunciam a inviabilidade da relação social ora em curso, é sinal de que a crítica social, além de procedente, clama por urgente superação do modelo.

Há pensadores que afirmam e denunciam, com razão, que a austeridade fiscal, antes de ser medida de governantes responsáveis, é conceito de governabilidade que visa impor a aceitação pela população do sacrifício social inaceitável, e tudo em nome da salvação do estado opressor e da impossível retomada do desenvolvimento.
Outros, menos avisados, prendem-se apenas à questão da agressão ecológica como se fosse possível, sob o capitalismo, a convivência da sua forma de produção social com a sustentação ecológica sob pretensos bons parâmetros de mentalidade governativa.

Há os que condenam, corretamente, os movimentos identitários surgidos na Europa, que apesar de uma capa étnico cultural de falso respeito à identidade cultural de cada povo, nada mais são do que uma forma de racismo intelectual que visa preservar privilégios étnicos secularmente condensados a partir do domínio do saber.

Há os movimentos contestatórios como blackbloc, de cunho anarquista que defende uma mobilização pela mobilização e ação direta de desconstrução dos ícones capitalistas;
– há o movimento ocuppy wall street, que denuncia a desigualdade social, a ganância, a corrupção, e a indevida influência do setor financeiro;
– há o movimento do green peace, que heroicamente faz o enfrentamento direto em cada ponto onde se manifesta a agressão ecológica mais visível, com dimensão internacional em áreas como desmatamento florestal, ameaça nuclear, usos variados de substancias tóxicas, uso de transgênicos nos alimentos, poluição oceânica, e que tem na desobediência civil pacífica a sua estratégia de ação;
– há uma infinidade de organizações não governamentais que atuam em questões pontuais de desrespeito à dignidade humana;
– Há os movimentos feministas, dos mais variados matizes, que denunciam a misoginia nos seus múltiplos aspectos;
– há movimentos antirracistas, antixenofobia, etc., etc., etc.

Tudo isto somado reflete a insatisfação generalizada, mas que, infelizmente, não tem sido bastante para a superação do modelo de produção social capitalista vigente, o grande responsável por todas as mazelas denunciadas.

Na verdade, o homo aecomnomicus faliu; mas antes do seu desaparecimento falimentar, ele sobrevive e comete os estragos próprios à natureza destrutiva e autodestrutiva do objeto de sua adoração: a economia.

Infelizmente, ainda é majoritária a crença de que se pode conviver bem com o estado protetor do capitalismo e com as relações sociais de produção a ele pertinentes, e neste sentido se faz necessária a realização de um grande FORUM TRANSNACIONAL DA EMANCIPAÇÃO HUMANA que seja capaz de conjugar todas as forças e pensares numa unificação de forças capazes de superar as causas da nossa tragédia e propicie a construção de uma nova realidade emancipatória da humanidade.
E ainda há tempo disto ser feito…

Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;

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