A encruzilhada da história

“O tempo corre, e as nossas sensações com ele se modificam”. Machado de Assis

Vivemos, mundialmente, um momento de inflexão social que nos remete a uma reflexão histórica, e o Brasil reflete o cenário mundial.  

Há uma insatisfação nacional (e mundial) com os rumos que a sociedade do capital está tomando em face do limite interno e externo da expansão capitalista. O pior é que muitos buscam na causa do mal a solução para o dito cujo.

Falta pão no seu sentido mais lato e, mais que isso, tateamos como cegos enredados num quarto escuro onde estão guardados os segredos do labirinto chamado itinerário da humanidade.

O medo do desconhecido representado pela necessidade flagrante de um novo contrato social sem que se saiba como fazê-lo, cria uma situação de insegurança geradora de guinadas drásticas à direita historicamente opressora ou para uma pseudo esquerda cujos exemplos atuais e históricos são negativos.  

O pensamento keynesiano social-democrata defensor de um Estado que sempre se mostrou opressor, ou mesmo o pensamento marxista-leninista defensor do capitalismo de estado como etapa emancipatória da humanidade, mostrou-se inepto e inapto para tal transição e denegriu a crença nos postulados humanistas do pensamento de oposição que se criou no século XIX ao capitalismo emergente e seu iluminismo opaco.  

Este cabo de guerra entre o pensamento humanista e o pensamento conservador retrógrado ganhou agora tensionamento.  

Desde as consequências da segunda revolução industrial capitalista, causa mater da depressão econômica que culminou em duas guerras mundiais, a ultradireita ganhou espaço, e o exemplo disso é a ascensão do nazifascismo italiano e alemão, representado pelas figuras de Benito Mussolini e Adolf Hitler, que serviram de modelos mundo afora, inclusive no Brasil dos integralistas de Plínio Salgado, agora redivivo.

Com a terceira revolução industrial da microeletrônica a mediação social capitalista se tornou de tal forma contraditória entre forma e conteúdo, que ou vamos para a frente ou retrocedemos à barbárie.  

O medo do desconhecido que a grande maioria da população não entende como será, e o controle sobre o pensar coletivo libertador sendo manipulado e castrado, é a explicação mais próxima da avaliação quanto ao fenômeno de guinada à direita observada hoje mais intensamente.  

Numa memória amnésica histórica de tudo que acontece durante os últimos 100 anos, esquece-se facilmente os horrores do genocídio de 3% da população mundial em duas guerras mundiais, e a crueldade de seres humanos contra seus semelhantes.
Agora, e sem o menor pejo, os fanáticos ultraconservadores supremacistas vociferam sua ira ignorante e primitiva contra quem se lhes opõem, como se fossem cruzados religiosos perdoados pelos deuses e com licença para matar.  
A defesa da aceitação da morte por covid19 em nome da salvação da economia, ainda ontem defendida publicamente pelo candidato derrotado no primeiro turno das eleições brasileiras em seu comentário pós-eleitoral, é um exemplo pouco cuidadoso desse comportamento que sequer entende e esconde a crueldade nele contida.  

Mas, nem tudo está perdido.  
Se por um lado cresce o desmascaramento da face elitista brasileira que vem desde os tempos de quando éramos somente uma colónia agrícola, postura ideológica persistente ainda hoje (nunca fizemos uma reforma agrária, digna do nome, e que é bandeira capitalista desde a colonização dos Estados Unidos), por outro lado cresce o sentimento (ainda latente) da necessidade de uma ruptura sócio-econômica-institucional.  
Nunca no Brasil estivemos tão perto de um levante social, mesmo que atabalhoado,  a ser perpetrado pelos segmentos de trabalhadores de baixo salários ou nenhum (a grande maioria), e de setores intermediários empobrecidos, mesmo de forma inconsciente e sem o apoio da esquerda institucional  e sindical (do tipo  2013) contra governos ineptos e uma elite retrógrada que manipula as eleições majoritárias e parlamentares a partir dos grotões do Brasil profundo.

Os anos vindouros, 2023 e 2024, principalmente, serão de graves dificuldades no campo econômico-social brasileiro, porque estamos na periferia do capitalismo, e os países que detêm a hegemonia econômica mundial vão cuidar primeiro de suas próprias falências, deixando de lado as preocupações com os vizinhos empobrecidos e acostumados a sofrer e serem saqueados pela lógica da produção de mercadorias e do mercado.  
Lula, se eleito (o que parece ser mais provável), governará com os mecanismos capitalistas, e com um parlamento mais conservador do que aquele do tempo em que governou, e sob uma conjuntura de crise do capitalismo mundial.  

Não é demais se prognosticar que se ele não der um novo direcionamento à sustentação do seu governo com apoio popular e bandeiras de repúdio ao interesse do capital nacional e internacional (o que é improvável que ele tenha peito para fazer), o próximo presidente será o picolé de xuxu ou um general militar menos primário do que o presidente atual.  

Bolsonaro, se eleito (o que parece um pouco menos provável), será alvo de um desgaste violento e pelos mesmos motivos acima resumidos, o que certamente o fará propor um novo autogolpe como forma de segurar a barra, além das costumeiras sandices antipovo.  

Qualquer prognóstico fora disso é quimera otimista desconectada com a realidade projetada para o nosso futuro eleitoral próximo.  

O motor da roda das mutações sociais mundo afora está acelerado, e não vai ser a ultradireita, com seu interesse em manter o status quo social pela força e com retrocessos civilizatórios nos costumes, na economia, e na política, aquilo que dará estabilidade ao capitalismo.  

Também a esquerda com sua visão estatizante de capitalismo de estado, seja na vertente keynesiana social-democrata democrático burguesa, ou sob regimes ditatoriais militaristas, como ocorre com a Venezuela, aquilo promoverá a redenção social emancipatória.  

Faz-se necessário o resgate de princípios humanistas que redirecione a luta social dos oprimidos para a apropriação das riquezas materiais e seus processamentos tecnológicos tão desenvolvidos e que estimule um modo de organização social de base com cânones jurídicos e constitucionais sejam consentâneos com os verdadeiros ideais de justiça social.

Liberdade combina com repulsa à opressão;
– consciência direciona a vida social para a autogestão;
        – senso de justiça repudia a injustiça social, racial, de gênero, misógina e nacionalista patriótica xenófoba;

Vivemos o período de uma encruzilhada histórica em face da saturação de um modelo social capitalista cuja vivência pelos seres humanos deverá ser o mais breve de todo o antigo itinerário trôpego da humanidade em busca da
plenitude de sua racionalidade e convivência harmônica social e com a natureza em seus vários aspectos.  
Cabe a nós tomarmos o nosso destino pelas mãos e sermos superiores aos sentimentos mesquinhos que nos aprisiona à barbárie hoje tão presente.  

Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;