A DISPARADA FUNDAMENTALISTA, por Alexandre Aragão de Albuquerque

Todo inimigo é feio e mau; nunca é bom e bonito. Por ser mau, precisa ser criada uma ideologia de ataque contra suas maldades; sendo feio, não pode ser visto, precisa desaparecer da visibilidade midiática, além de ser-lhe imputada a responsabilidade sobre as mazelas da vida social, construindo sempre mais uma imagem generalista degradante desse sujeito pessoal e coletivo. Ao lado dessa ideologia arquiteta-se uma estrutura de combate bélico e cultural para detê-lo. Bons e bonitos somos nós, por isso precisamos ser preservados. O inimigo é sempre extremista, fundamentalista, terrorista. Nós, ao contrário, somos razoáveis, magnânimos e íntegros.

O patriarca Abraão gerou, pelo menos, três descendências genealógicas bem distintas: o judeu, o cristão e o muçulmano. Cada um com sua convicção tribalista de ser o povo escolhido e portador exclusivo da revelação do “Deus único e verdadeiro”. Dessa convicção profunda nascem visões e formas de interpretar e de viver suas doutrinas que levam seus crentes a conferirem caráter absoluto ao seu modo de pensar. Trata-se de sistemas fechados e binários, enxergam apenas o preto e o branco, incapazes de perceber a lógica da pluralidade das cores que constrói unidade em um mesmo arco-íris. Afinal, quem se sente portador de uma verdade absoluta, não pode tolerar outra verdade: o seu destino, portanto, é a intolerância. Os filhos da intolerância são a agressividade, o ódio, a guerra.

Por um dos lados do fundamentalismo cristão, a tese é afirmar que a sua Bíblia deve ser tomada ao pé da letra: cada vírgula é inspirada por Deus. E Deus não erra. Logo, a Bíblia não precisa ser interpretada nem contextualizada porque o Espírito Santo ilumina os crentes a compreenderem plenamente os textos bíblicos tais como são. Então, para estes, a criação do mundo se deu realmente em sete dias; o ser humano foi feito literalmente do barro; Eva foi criada a partir da costela de Adão. E assim por diante.

Por outro lado, principalmente na vertente católica, o fundamentalismo recebe um nome particular de “restauração” (ou integrismo) cujo objetivo é o de restaurar a ordem fundada na relação matrimonial entre o trono e o altar, o poder político com o poder clerical. Visa-se a uma integração de todos os elementos da sociedade e da história sob a hegemonia do espiritual representado e interpretado pelo corpo hierárquico da Igreja Católica, encabeçado pelo Papa, como afirma o documento “Dominus Jesus”, de 2000, onde se sustenta que a Igreja Católica é a única igreja de Cristo: pressupõe-se assim que os crentes de outras religiões correm o risco da condenação eterna.

Mas há também o fundamentalismo economicista representado pela ideologia política do neoliberalismo. Ele também se apresenta como SOLUÇÃO ÚNICA (deus único) para todas as carências da humanidade. Contudo, a lógica interna desse sistema é ser acumulador de bens, consequentemente criador de desigualdades e de injustiças, explorador (e dispensador) até o limite da força humana de trabalho, além de ser predador da natureza. Esse fundamentalismo econômico é autoritário, não aceita o sistema político democrático participativo. Sua cosmovisão é materialista, individualista e sem qualquer freio ético. Basta pensarmos no Brasil dos últimos seis meses do governo do Capitão defendendo a liberação do trabalho infantil; com a legislação de uma nova previdência diminuindo o valor de aposentadorias e pensões, e ampliando o tempo para o trabalhador e a trabalhadora se aposentar; com a liberação de agrotóxicos e armas de fogo; com os crimes das mineradoras da Vale em Minas Gerais. Isso sem falar no discurso de campanha repleto de racismo, machismo e autoritarismo, enfatizando a lógica do inimigo interno.

Samuel P. Huntington, assessor do Pentágono no governo W. Bush, em sua tese sobre o “choque das civilizações” faz uma observação de grande importância: “No mundo contemporâneo a religião é uma força central, talvez a força central que motiva e mobiliza as pessoas. O que em última análise conta para as pessoas não é a ideologia política nem o interesse econômico; mas aquilo com que se identificam são as convicções religiosas, a família e o credo. É por estas coisas que elas combatem e até estão dispostas a dar a vida”.

Portanto, há um desafio posto. Mesmo se não substituem as instâncias econômicas, políticas e militares, cabe às religiões repensarem suas formulações profundas de uma mística alimentadora do espírito dos povos, de forma crítica, capaz de romper com essa visão binária do mundo para alcançar a diversidade das cores do arco-íris humano visando à superação dos fundamentalismos abrindo assim uma cultura de diálogo, compreensão e tolerância com o Outro, uma cultura garantidora da paz, da dignidade de todos os humanos e da vida do nosso planeta.

 

 

 

 

 

 

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .