A Direita e o peso estrutural dos Partidos Políticos no Brasil

A eleição de 2018 surpreendeu qualquer observador por ter fugido aos parâmetros da normalidade. O cientista político Jairo Nicolau chega a se admirar que “a vitória de Bolsonaro é o feito mais impressionante da história das eleições brasileiras. Ele concorreu com um micropartido, gastou pouco mais do que alguns deputados federais gastaram e, no primeiro turno, dispôs do menor tempo no horário eleitoral que um candidato competitivo já teve em uma disputa para presidente. Ele fez uma campanha rejeitando o que os manuais de campanha recomendam: moderar o discurso e tentar o eleitor de centro. Bolsonaro foi vitorioso na maioria das grandes cidades do Brasil e recebeu o apoio dos homens e dos evangélicos como nenhum candidato antes dele”.

Pretendemos mostrar que, apesar do inusitado, a eleição de 2018 não quebrou as bases estruturais dos partidos políticos que vinham se consolidamos após a redemocratização. O inusitado, adequadamente chamando de golpe, aconteceu como uma “conspiração das elites” com interesses globalizados, já bastante discutido. O resultado, contudo, teve o padrão da estrutura partidária que observamos nas diversas eleições já realizadas. Destacaria um detalhe importante: nesta eleição, os dois maiores colégios eleitorais foram, de um lado, São Paulo e o Sudeste, e de outro o Norte e o Nordeste. Na eleição de 2014, ao contrário da eleição de 2018, o Nordeste saiu vitorioso. Essa realidade colabora em reproduzir uma estrutura partidária.

Estamos dentro de um complexo processo de mudança estrutural global de forte impacto regional. A conjuntura brasileira atual retroage, internamente, ao impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e, externamente, à ascensão efetiva da China no processo de globalização. Não pode também ser esquecido ainda os abalos à ordem mundial, não apenas com a crise do capitalismo internacional, no coração do sistema financeiro, de 2008, mas também aos acontecimentos simbólicos acontecidos na última década do século XX: a queda do Muro de Berlim, em 1989, simbolizando o fim da guerra fria, e a queda das Torres Gêmeas, em 2001, em Nova York, simbolizando que o conflito cultural seria também orientador da nova ordem mundial, e não só a luta de classe implícita no período da guerra fria. Assim, a Religião passa a reivindicar seu espaço na estrutura global, recuperando valores tradicionais. O século XXI, dessa forma, começou, como o século XX, sofrendo forte abalo estrutural e isso afeta, sem dúvidas, estruturas que se consolidavam, na economia e na política, além de suas respectivas conjunturas.

Discutimos bastante, no Segunda Opinião, sobre a capacidade de o processo democrático brasileiro resistir ao “monocratismo conservador” autoritário que assolava essa crise do início do século. No amanhecer do século XX, a direita também chegou à América Latina e ao Brasil, sendo sempre, como agora no início do século XXI, uma experiência traumática às jovens democracias regionais.

A eleição de 2018, portanto, merece uma rápida reflexão. Sérgio Abranches a destacou como uma crise da organização da política brasileira subordinada ao modelo de Presidencialismo de Coalizão, responsável pela organização da política partidária brasileira desde a fase da redemocratização pós-1985. A “Lava Jato” e a imprensa da época defenderam que esse modelo seria a causa da corrupção no Brasil, pois o Poder Executivo teria que cooptar, “comprar”, o apoio de Partidos e de deputados para aprovar seus projetos. A crise principal, contudo, é de “representação política”. Essa narrativa de que o modelo de Presidencialismo de Coalizão, seria corrupção, foi, inclusive foi utilizado por um setor do Judiciário como instrumento para combater os partidos mais à esquerda, social democráticos, que homogeneizavam a política brasileira, com destaque para o PT, e para tirar seu líder da jogada eleitoral, o Lula, que se tornara invencível eleitoralmente, como ficou bastante claro no desdobramento do processo.

Está muito claro também que a campanha para a de 2022 já começou e que poderá ser decisiva para sentir a democracia brasileira se cederá às tentações autoritárias, ou que se fortalecerá após a pandemia. Abranches considerou que a vitória de Bolsonaro marcaria a chegada de novo modelo da política brasileira e, com ela, o sistema partidário. Ele diz que “a eleição geral de 2018 encerrou o ciclo político que organizou o presidencialismo de coalizão brasileiro nos últimos 25 anos e acelerou o processo de realinhamento partidário ou organizou governo e oposição nas últimas seis eleições gerais e que era movido pela disputa polarizado entre o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) pela Presidência da República, enquanto os demais partidos” buscavam espaços no apoio ao governo na coalizão (do Livro “Democracia em Risco: 22 ensaios sobre o Brasil de Hoje”). A chegada de um novo modelo de política brasileira, contudo, ainda não se apresentou na sua inteireza, pois, o presidencialismo de coalização retoma em novas bases no governo Bolsonaro.

Falta pouco mais de um ano para as eleições de 2022 e já se percebe que ela começa a reproduzir as bases estruturais tradicionais, que era coligação onde o PT e o PSDB seriam os candidatos competitivos. Bolsonaro, apesar de anunciar uma política neutra, de técnicos, não se moveu nas regras democráticas, mas tentando fidelizar apenas seus apoiadores tradicionais, como o agronegócio, o sistema financeiro, conservando o Ministro da Economia considerado um técnico, os evangélicos e tendo militares por temer um “golpe” das esquerdas. Não aproveitou inicialmente governar com os partidos políticos aproveitando o PSL que elegeu a maior bancada, mas voltou a ser um partido pequeno. Acabou nos braços do chamado “Centrão”. E a CPI do Covid 19 desnudou a falta de sensibilidade política e ele, que despontou por muito tempo como o candidato que chegaria necessariamente ao segundo turno, com a fidelidade da representação construída, vai definhando nas pesquisas e poderá não ir para o segundo turno.

Nos aproximamos das eleições de 2022, apesar das ameaças autoritárias e de ser apelado para um governo de exceção, observamos que PT já se apresenta como um partido competitivo. Quem irá para o segundo turno, caso as pesquisas acertem? O PSDB apresenta uma disputa entre Dória e Jereissati, podendo chegar lá, consolidando essa tendência. Ciro Gomes, com sua competência intelectual reconhecida, ainda não se consolidou como a opção. Outros candidatos não aparecem como uma terceira via. Há uma forte aparência de que a força estrutural que o saudoso Olavo Brasil de Lima Júnior, meu professor no IUPERJ, apresentava como recorrente, tenha a força para se apresentar também nessa eleição. Aprofundaremos num outro artigo.

Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.

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Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.