A Dança da Lua – sagrada e profana, por HELIANA QUERINO

E nós, mulheres, como estamos? Vítimas, autoras ou passivas? Objeto ou sujeito de uma dança? Com olhos de mamilos, indomáveis, boca e ventre vicejante, agora é o corpo nosso, é escrita e nossas regras, é catedral e altar em chamas e o nosso gozo nas alturas!

Ouvi dizer que muitos mitos refletem a passagem de um matriarcado original para o patriarcado atual. Não é possível afirmar. E tão certo quanto a incerteza da existência do matriarcado, é a certeza de que em todas as sociedades, a mulher é o objeto, e nunca o sujeito da cultura.

Testemunha do paleolítico, “Vénus de Willendorf”,  ídolo feminino de vinte e cinco mil anos, um achado da Áustria, com opulências, seios e barrigas generosas. É  fácil pensar que o homem pré histórico relacionava a fecundidade com o sagrado, e imaginar a origem do sagrado, na fertilidade -, essencial para a sobrevivência dos grupos humanos.

Mulher, detentora da chave para a perpetuação dos grupos, ao mesmo tempo objeto de um culto praticamente religioso. Mas é quase impossível saber como os pré históricos imaginavam o mundo.

Tão conhecida por todos os povos quanto a supremacia masculina, existem no mundo inteiro mitos que acusam e culpam uma mulher pela chegada da morte e outras catástrofes neste mesmo mundo.

Repositório do mal.

Delírio histórico milenar.

Eva, mulher de seis mil anos, com a sua maçã, é somente o caso mais conhecido das incontáveis vezes em que todo o mal do mundo, toda a falha já foi relacionada com a fisiologia e a sexualidade feminina.

É cada mito que até faz sangrar – aborígene australiano, se as inundações e secas periódicas ocorreram, trataram logo de apontar: é a vingança da serpente mítica que se ofende por causa de uma mulher menstruada que nos teus lagos se banhou.

Culturas tradicionais, a religião e os mitos explicam o mundo e a sua origem, e justificam as estruturas sociais e as hierarquias existentes – e acima de tudo, a hierarquia entre mulheres e homens.

Lua, mulher, tuas funções fisiológicas – a menstruação, o parto, o puerpério – são concebidas como “terrificantes”. Configuram uma forma consagrada – mas um sagrado que causa medo. Sempre os homens – no duplo sentido – tiveram medo do sagrado, a medida entre os homens e os deuses, entre a vida e a morte.

Ao divino, – a limitação -, os lugares e momentos precisos, para não ferir a vida comum. Restando, quase sempre, às mulheres, apenas o papel de suportes passivos de divina/sagrada, quando ao invés disso, deveriam ocupar seus lugares de autoras.

Mulheres, luas de toda cor, na maioria das culturas excluídas do sacerdócio e do conhecimento dos mitos. A subordinação milenar da mulher encontra a sua origem bem antes da divisão do trabalho, nas explicações míticas do mundo.

Quem sabe, a origem de tantos mitos seria uma tentativa masculina de controlar a fertilidade feminina, pois, caso contrário, ficaria  um instrumento de poder exclusivamente nas mãos das mulheres.

Ah, patriarcado, aprenda a existir com elegância! Não existe superior e inatacável, não tem salvação pra ninguém.

Não é vitimismo, é opressão antiga que se reitera através dos séculos. Força de um corpo forte sobre um corpo mais “frágil”.

A cada dez minutos, duas mulheres são violentadas!

Eu, ser pensante, físico sagrado, deixa que delimito quem se aproxima e penetra no meu território invisível, no meu corpo e no meu sexo.

Lua, mulher ou catedral. Secular, destino traçado pelas mãos carrascas de forças invisíveis. O que é que tu quer coronel? Já rasgamos sutiã, já mostramos nosso corpo, feito prato apetitoso bem exposto em outdoor.

Para mostrar a nossa alma, o coração foi preciso ser queimado.

Deméter, forte não se entrega, se morre agora, ressurge no instante seguinte. Treme, abre fendas e nascem flores de Perséfones, filha, mãe, avó, mulher de cabelos imortais.

Repense o jogo, menina! Eu, tu, Me Too, Time’s Up ou movimento de mulheres francesas.

Existe uma armadilha. Não entrem nessa, é antiga regra do patriarcado, provocar intrigas internas, colocar uma mulher contra a outra, num lugar de luta, ultrapassada e superada rivalidade feminina. Há ambiguidades, mas o que querem as mulheres? Não queremos repetir movimentos históricos prioritários de opressão.

Lua Nova, Minguante, Convexa ou perigosa, avós que “dançam e bebem vinho cor de folha de Carvalho na primavera”, filhas de Deméter, irmãs de Clarissas, bruxas, sereias, rebeldes e outras cirandas de mulheres sábias.

Heliana Querino

Heliana Querino Jornalista

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