Karl Marx
Dias 18 e 19 de setembro de 2024 os Bancos Centrais mundo afora definiram as taxas de juros. No Brasil, o Copom – Comitê de Política Monetária, definiu a subida da taxa Selic em 0,25%, totalizando 10,75%, a terceira maior do mundo, para alegria dos rentistas e infortúnio dos brasileiros, que pagam juros muito altos por sua dívida pública.
No ranking dos juros reais (descontada a inflação) no acumulado de 12 meses, em primeiro lugar está a Rússia (em guerra), com 9.05%; o Brasil em segundo lugar com 7,73% ao ano seguido da Turquia em terceiro com 5,47% ao ano.
Isso significa muito para a bolsa popular, posto que incide sobre a nossa dívida pública crescente (que já ultrapassou R$ 7,1 trilhões), e deve alcançar um custo de cerca de R$ 760 bilhões ao ano no orçamento federal, ou seja, cada brasileirinho da favela vai pagar, com os impostos que lhe são cobrados, e em benefício dos especuladores financeiros e rentistas ricos, cerca de R$ 3.600,00 de juros ao ano.
Com jutos reais de 7,73% ao ano já descontada a inflação, só o capitalismo falido pode nos impor um sacrifício destes à nossa população na base do “ou dá ou desce”. Precisamos mais do que nunca nos rebelarmos e dar um basta em tal imposição.
Nós, os países da periferia do capitalismo sustentamos com nosso sangue e suor o refinanciamento da dívida pública; o sistema bancário financeiro mundial; e o lucro dos especuladores e rentistas.
Mundo afora, o capitalismo vive o fantasma da inflação, que devora salários empobrecendo a população, desorganiza ainda mais a produção de mercadorias, e faz a alegria dos rentistas e daqueles que, dispondo de crédito, por conta de seus lucros empresariais, patrimônios e aplicações financeiras, ganham com a especulação comercial e financeira.
Como sabemos, o flagelo da inflação decorre da maior circulação de dinheiro sem lastro que provoca o crescimento doentio da economia em face da insubsistente produção de valor “válido” em mercadorias.
Essa doença do crescimento econômico artificialmente induzido consiste no fato de que a perda de poder aquisitivo da população, como um todo, gera um descompasso entre a diminuição da capacidade industrial e comercial de produzir e vender, respectivamente, e a perda de valor real da moeda, afetando os lucros da produção de valor válido (advindos da produção de mercadorias) e em benefício da especulação financeira estagnante.
Há, atualmente, e mais do que antes, um empobrecimento da população mundial em face de uma relação social que hoje atingiu o seu limite de expansão e crescimento, que no passado, apesar desse crescimento ter tido sempre segregacionista, escravista, deformado e excludente de parte da população, ganhava velocidade por conta de uma força causada pela introdução crescente do trabalho abstrato (uma mercadoria) no sistema produtor de mercadorias (bens de consumo).
Hoje, com o desemprego estrutural causado pela redução dos custos de produção que reduz a massa global de valor “válido” induzida pelo mercado que sinaliza ditatorialmente a substituição substancial do homem pela máquina (trabalho morto, sem salários), essa força original é permanentemente reduzida, e com ela vem a queda no fluxo de irrigação “saudável” da economia com valor “válido” advindo da produção e consumo de mercadorias, fato que conspira contra a necessidade capitalista de aumento permanente desse mesmo consumo e produção impossíveis de serem obtidos no atual estágio da economia.
É a cobra engolindo o próprio rabo.
A resultante do descompasso entre produção de mercadorias, vendas e correspondente capacidade de compras, consumos e necessidade de produção de valor válido (advindo da produção ora inviabilizada) produz a inevitável emissão de moeda sem lastro como forma desesperada dos Bancos Centrais lubrificarem o fluxo monetário econômico-financeiro-social, e é isso que causa a inflação. É importante informar que o setor terciário, de serviços, que mais cresce na composição dos PIBs mundiais, não produz valor novo, mas apenas transfere valor (artificial ou não) já em circulação na economia.
A emissão de moeda sem lastro pelos Bancos Centrais corresponde justamente à desesperada produção de vida artificial por aparelhos num corpo septicémico condenado à morte, e o aumento dos juros corresponde a um remédio amargo (mas ineficaz no longo prazo) que funciona como tentativa desesperada de se conter e se manter (momentaneamente) ao mesmo tempo e, contraditoriamente, controladas(os) as vendas e consumos artificializados.
Se a economia cresce induzida artificialmente pela emissão de moeda sem lastro e endividamento público crescente, tal “remédio” causa inflação que decompõe a moeda e capacidade de consumo; mas se não se emite moeda sem lastro há uma paralisia completa da vida social regida pela forma valor.
Estamos, portanto, diante de uma equação irresolúvel que somente pode ser superada pela adoção de uma relação social de produção fora dessa lógica, e na qual os bens de consumo não sejam mercadorias e o cada vez mais confortável esforço humano tecnológico na produção de bens de consumo seja o condutor de máquinas, sem ser mercadoria.
As entidades capitalistas de mercado, e todos os governos, direcionam as suas políticas, liberais clássicas ou keynesianas, para a impossível retomada do desenvolvimento econômico como fato gerador de empregos e valor, principalmente nos setores primário (do agronegócio) e secundário (das indústrias).
Entretanto, vem a concorrência de mercado, na autofagia de sua “mão invisível” (Adam Smith, assim o denominou há mais de duzentos anos), e diz paradoxalmente: use a tecnologia na sua produção; reduza custos desta produção; ganhe a concorrência de mercado; produza mais e mais barato com melhor qualidade; reduza direitos trabalhistas e previdenciários; fortaleça o Estado, seja ele mínimo ou máximo; e para vencer seus concorrentes concentre capital e faça investimentos em capital fixo (instalações e equipamentos ultramodernos); seja monopolista de mercado e obtenha riqueza e poder… Aí vem o Banco Central e aumenta os juros para conter a inflação e o consumo, mas emite moeda sem lastro porque a receita fiscal (mesmo crescente) é ainda menor do que as despesas correntes… etc., etc., etc.
Essa é a matemática contraditória do capitalismo que se decompõe pelos seus próprios fundamentos, como previra Karl Marx.
Nesse contexto, as eleições para a governança do aparelho de estado que serve a essa lógica corresponde a uma preocupação com a infecção de uma unha cravada num corpo septicémico, o que torna a discussão eleitoral algo fora de foco.
Toda a discussão eleitoral é fora de foco porque a questão não é, por exemplo, de apenas como criminalizar os incêndios provocados e contermos o fogo que se alastra florestas afora até os centros urbanos e cobre as cidades de fumaça tóxica e chuva preta de fuligem (questão minimalista de forma, que precisa ser feita dada a urgência de solução do problema), mas se perguntar por que há aquecimento global que provoca incêndios e inundações severas (questão de conteúdo).
O discurso eleitoral é superficial e sistêmico porque a eleição é antidemocrática (no sentido de prover o exercício da vontade soberana) por não permitir a contestação do sistema pelo candidato, que se assim o fizesse teria cassada a sua candidatura;
– não representa a antítese à ditadura, seja ela eletiva ou militar, mas apenas uma forma política submissa ao Estado opressor e cobrador de impostos e, principalmente, ao absolutismo ditatorial da forma valor;
– porque se prende às providências a serem tomadas dentro da escassez, e não como evitar a escassez, ou, antes disso, procura nas causas da escassez a solução para ela mesma;
– porque é o canal legitimador do acesso ao subpoder político, assim considerado por falta de soberania de vontade, vez que é projetado e delimitado constitucionalmente para cumprir previamente a tarefa de regulamentação da ordem capitalista e ser a ela submisso, além de que os políticos (e não só) se obrigam a tecer loas a tal ordem jurídica e econômica sob pena de faltarem com o decoro institucional.
Informar sobre a negatividade da essência do dinheiro, categoria capitalista à qual nos obrigamos todos os dias a buscá-la para a nossa sobrevivência, e assim mesmo sendo desconhecida quase unanimemente na sua constituição e função socialmente negativa, deveria ser matéria curricular nas escolas e nas academias que ensinam aos ensinadores, os professores nas escolas, ao invés de incensá-lo como algo inocente e benéfico para a vida social.