Na medicina a crise representa o momento crítico entre a cura e a morte. Assim, como o parto do novo é uma metáfora social usando elementos da medicina queremos dizer que algo novo está para nascer sob o quadro de crise terminal do modelo da relação social forma-valor que demonstra por todos os poros a sua inconsistência e obsolescência.
A crise atual pode vir a ser condição de cura ou de morte.
A cura pode ser representada por um novo modo de relação social que use todo o saber adquirido pela humanidade em prol de uma produção e organização sociais que demonstre um novo grau de racionalidade humana.
A morte pode ser representada por uma hecatombe nuclear que vem sendo anunciada e/ou pelo aquecimento global provocado pelo próprio ser humano preso à autofagia de uma relação social segregacionista e subtrativa da produção social coletiva pelo comando abstrato, irracional, predatório e ditatorial da forma-valor.
Alguém que tem esperança vê as luzes das estrelas que estão distantes em meio à mais intensa escuridão da noite; alguém que se desespera reage de formas aparentemente distintas, mas igualmente inconsistentes, que se configuram no apego ao que já não se suporta ou numa volta ao que foi suportado num passado mas que já não pode se realizar no presente.
São três posições distintas: (i) a dos querem avançar sob novos conceitos; (ii), a dos que querem consertar o inconsertável; e (iii) os que querem o retrocesso.
Vivemos um momento ímpar no itinerário da nossa história porque conjumina a crise econômica com a crise de seu modelo político-institucional serviçal (numa relação de causa e efeito), fato que causa perplexidade justamente porque temos que superar esses dois negativos conteúdos sociais concomitantemente.
Não dá para se superar um sem se superar o outro, bem como não há como reformá-los convenientemente sob um mesmo critério de base de relação social. Ou se superam os dois ou corremos o risco de sucumbirmos como espécie.
Se quisermos classificar as correntes de pensamento na atualidade elas seriam: os conservadores; os sociais-democratas; e os emancipacionistas.
Os conservadores de direita acreditam (equivocadamente) que todos os problemas sociais se resumem a uma disciplina férrea e trabalho duro, combinado, evidentemente, com uma agenda de costumes retrógrada que consideram como padrão moral contributivo.
Para estes, a forma-valor é algo tão natural como tomar água e se alimentar diariamente, e por ignorância científica ou interesse de manutenção de relações humanas subalternas e escravistas (este último aspecto na maioria das vezes predominante) diante do avanço de proposições humanistas que calam fundo na evolução das consciências humanas, não hesitam no apego ao Estado jurídico-político-ditatorial capaz de impor as suas teses retrógradas.
Estes, hoje, se veem fortalecidos pelo fato de que o referido avanço da evolução das consciências humanas (não se pode mais conceber a escravidão na qual um ser humano era propriedade de outrem, como no passado, ou que se pode e se deve apedrejar uma mulher tipificada como adúltera) não acompanharem no mesmo compasso evolutivo as contradições causadas pelo limite interno e externo do capitalismo que se torna inadministrável pelos bem-intencionados progressistas (termo que até pouco tempo se atribuía à esquerda).
O avanço da direita conservadora decorre da incapacidade dos seus adversários em dar, pelo Estado e pela política, sentido humano à relação social capitalista no seu estágio de ocaso irreversível, como se os primeiros fossem (e não são) capazes de administrá-lo corretamente e com pulso.
O discurso da direita se trata de uma cantilena de fôlego curto que a força militarizada estatal em obediência a governantes totalitaristas tende a se desacreditar diante da insatisfação popular crescente, mas que produz efeito momentâneo diante da desesperança, principalmente nos países economicamente desenvolvidos ou em desenvolvimento que ora veem lhes faltar chão.
A direita pode até estar presente tanto da democracia burguesa, com um bilionário capitalistas como Donald Trump, ou em propostas hipoteticamente revolucionárias como na Coreia do Norte com sua dinastia familiar hoje representada por Kim Jong-Un, para ficarmos apenas num exemplo de deturpação dos ideais revolucionários.
Exemplo claro do movimento pendular de desgaste se pode observar nos repetidos ciclos de alternância política entre conservadores e sociais democratas graças à insatisfação popular a cada período por conta da queda paulatina de poder aquisitivo e perda de direitos sociais (principalmente previdenciários, comuns no mundo inteiro), conforme se pode inferir dos dados abaixo:
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Na Inglaterra, após o período dos conservadores Margaret Thatcher e John Major de 1979 a 1997 (18 anos) veio o período dos trabalhistas Tony Blair e Gordon Brown de 1997 a 2010 (13 anos); período dos conservadores David Cameron, Theresa May, Boris Johnson e Rishi Sunak de 2010 a 2024 (14 anos); agora com o início de novo período trabalhista em 2024 com Keir Starmer.
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Na França a direita avançou no primeiro turno das últimas eleições parlamentares e foi necessário um esforço hercúleo de unificação para que os partidos progressistas evitassem a hegemonia da extrema direita. Mesmo assim o campo da esquerda conseguiu 182 duas cadeiras em meio às 577 existentes. O centrão de lá continua dando as cartas.
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Nos Estados Unidos Richard Nixon, republicado, sucedeu a Lyndon Johnson, democrata, que foi sucedido por Gerald Ford, republicano; na sequência vêm Jimmy Carter, democrata; Ronald Reagan, republicano; George H. W. Bush, republicano; Bill Clinton, democrata; George W. Bush (o filho), republicano; Barack Obama, democrata; Donald Trump, republicano; Joe Biden, democrata, e por aí vai.
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Por sua vez, a socialdemocracia e suas variantes mais progressistas ou mais ao centro, tal como os conservadores, não podem responder aos anseios dos eleitores diante de fenômenos como a falência do Estado que decorre da depressão econômica mundial, e todos pugnam em seus discursos pela retomada do desenvolvimento econômico, que já não pode ocorrer por conta das contradições internas dos fundamentos capitalistas que agora atingem seu ápice irreversível.
As estruturas institucionais políticas de poder, serviçais de uma relação social negativa de onde tiram os seus sustentos, estão presas em camisas de forças que as impedem sequer de pensar fora da caixa, ou seja, pensar, entender e admitir que pode haver uma forma de relação social que não esteja atrelada ao sistema produtor de mercadorias, e mais que isso, que é urgente tal alternativa, porque é a humanidade que está em risco como espécie.
O torpor cultural introjetado nas mentes humanas precisa ser rompido, porque se a ditadura burguesa não tem respostas, a democracia burguesa também não as tem, senão vejamos:
– de que democracia estamos falando quando vivemos sob a égide de uma relação social antidemocrática por natureza ontológica, ou seja, que descriminaliza a apropriação indébita da produção social de capital pelo e para o capital com sua extração de mais-valia???;
– permanentemente fazemos a transferência de responsabilidade para prepostos políticos que recebem procurações para governar e legislar a cada ciclo eleitoral no qual tudo se repete e os outorgantes são relativamente alheios aos atos do outorgado;
– permanentemente nos curvamos aos ditames ditatoriais de uma lógica abstrata, tautológica, que comanda o concreto da vida real, e que nos obriga ao cumprimento de regras absolutistas de atendimento a uma funcionalidade social comportamental vazia de sentido humano e solidário (queimam-se produtos alimentícios para não prejudicar preços no mercado, para ficarmos apenas num exemplo mais evidente) cujo único objetivo é a valorização de si mesmo, do valor, que os eleitores (e não só) não sabem o que é, pra que é, e nem como é.
A democracia burguesa é antidemocrática (se quisermos emprestar ao termo um sinônimo de soberania da vontade popular) e não é o antônimo do totalitarismo, mas apenas uma variante pretensamente humana do desumano, e é por isso mesmo que se desgasta ensejando ciclicamente a aceitação perniciosa das pretensões do autoritarismo e conservadorismo oportunista.
Ao povo deve caber o ônus e o bônus de suas decisões ao assumir de forma não representativa a solução dos seus próprios problemas sociais tendo como norte referencial seu próprio interesse e sob bases equânimes de produção social e distribuição.
Simples assim.
Dalton Rosado.