A CORDA QUE NOS SALVAVA DAS CRISES ONDE FOI AMARRADA?

Acreditavamos em passado remoto que as crises não alcançavam o Brasil.

Sobrevivemos a muitas crises graças a um traço bem peculiar herdado dos nossos ancestrais peninsulares. Os nossos ancestrais autóctones e os fundadores africanos eram mais desconfiados.

O Brasil é um filme de ciência-ficção. O thriler prenuncia a tragédia; ninguém acredita, Deus é grande e, em um determinado momento, foi brasileiro. Somos gente boa, temente a Deus, mas damos a impressão que a lei só se aplica aos outros. Por que seríamos castigados pelo rancor divino? Vá lá, o diagnóstico mais honesto que um poeta fez deste extrairdinário país: “O Brasil não foi feito para iniciantes”.

Houve quem, mais amargo e irônico no seu julgamento, afirmasse que o Brasil “é um país de futuro incerto e passado suspeito”…

Das nossas desgraças anunciadas, salvamos-nos na última cena do seriado, com a chegada da Sétima Cavalaria. Nossas crises assemelham-se a coitos interrompidos. Inter femora (perdão pelo Latim, não sei se o meu professor Eleazar o aprovaria).

A Sétima Cavalaria é uma metáfora, como o general Pires, do Figueiredo. Diante de qualquer remuo mais sério da populaça, Figueiredo ameaçava: “Cuidem que eu acabo chamando o Pires”.

Por felicidade, o aprovisionamento de Pires no Brasil exauriu-se: o almoxarifado parece ter dado baixa dos artigos fora da validade.

O mesmo não acontece, entretanto, com o estoque de constitucionalistas monoglotas recolhido aos tribunais, corregedorias e a AGU. Sem falar nas provisões dos partidos e da mídia. Afinal, o brasileiro traz na alma uma vocação indestrutivel para tornar-se bacharel em leis. Eu mesmo, cedi à sedução do anel, do diploma e de alguns tropos jurídicos que ouvi de meu inesquecível mestre, Wagner Barreira.

Sou bacharel com muita honra e até tenho registro na Ordem. Virgem de causas, porém respeitoso das lides forenses. Na idade a que cheguei, divido muitas das minhas amizades entre médicos e advogados. Com os primeiros, criaturas boníssimas e abnegadas, tento assegurar, com a sua ajuda, algumas sobras de vida. Com os advogados, e os tenho da melhor extração, tento arrancar da União e de empregadores espertos o que me ficaram a dever por boas ou más contribuições dadas…

O que nos faz tremer de medo, sob o peso de terríveis augúrios, não são as armas, porém os brocardos latinos a que recorrem juízes das mais distintas instâncias, acolitados por constitucionalistas e cientistas políticos acolhidos no seio das conspícuas Cortes, por merecimento ou por profunda afeição e convergências intelectuais.

Uma invectiva em latim vale hoje mais do que um velho tanque Sherman emborcado na praça dos 3 Poderes na árdua tentativa de entregar um convite no Palácio do Planalto…

Um tropo jurídico na boca do ministro Moraes é mais poderoso do que todas as baterias do Forte de Copacabana.

Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.

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