A consolidação da Democracia Brasileira pós 1964: PSDB x PT.

A primeira eleição direta para Presidente da República, no início da
década de 1990, marco fundamental nessa redemocratização, encontrou um Brasil mais preparado para a modernidade, na economia e na política.

Quando o processo democrático parecia consolidado, contudo, as eleições de 2022 reforçam a fragilidade ao nos depararmos com ameaças às suas bases.

Nesse percurso desde a eleição de 1989 já encontramos os instrumentos institucionais e o ambiente geopolítico que propiciaram e interferiram nesse processo. Visando compreender elementos estruturais da realidade da democracia brasileira no processo dinâmico dos partidos políticos, a base da soberania popular, é que buscamos esse momento fundante.

Collor de Mello, o primeiro presidente eleito pelo desconhecido PRN (Partido de Representação Nacional), é um político típico da Região Nordeste brasileira, do Estado de Alagoas. Saiu vitorioso no segundo turno, disputando com Luiz Inácio Lula da Silva, também do Nordeste, do Estado de Pernambuco. Collor nasceu no Rio de Janeiro, mas fez política em Alagoas. A imagem que o Brasil tinha da política do Nordeste, naquele momento, era de um espaço privilegiado da política tradicional, sem representação política moderna, onde o clientelismo ainda imperava. O Brasil tradicional e o moderno estavam sendo representados.

Lula fez o percurso no sentido contrário ao de Collor, pois nasceu no Nordeste e migrou para a região Sudeste como qualquer nordestino que foge da seca, e participou da modernidade  política que se processava ali, tornando-se o líder que representava os trabalhadores no movimento sindical do nascente processo de industrialização brasileira, na região do A B C Paulista. O moderno e o tradicional se relacionavam e buscavam espaços.

Esta primeira observação mostra a força política do Nordeste nesse embate. Também concorreram com Collor o trabalhista Leonel Brizola e o conservador Paulo Maluf, participantes dos tradicionais partidos ideológicos de antes de 1964. Além do social-democrata Mário Covas, que representava o empresariado nacional moderno e era apoiado por intelectuais da Universidade de São Paulo. Seria, portanto, o espaço da modernidade burguesa que o movimento político de 1964 gestou, como mostra Florestan Fernandes em seu livro “Revolução Burguesa no Brasil”. 

Covas prometia um choque de capitalismo. O mote político do debate que marcou esse momento foi a antinomia entre tradição e modernidade, além da correlação de forças entre a direita e a esquerda política. O momento era o final da guerra fria com a queda do muro de Berlim. Discutiremos esse contexto e sua influência nessa configuração no próximo texto.

Outro ponto ainda mais importante revelado por essa eleição para o processo moderno da política foi, como ressaltamos acima, o surgimento dos dois partidos políticos nascidos da mobilização da sociedade civil da década de 1980: o movimento das “Diretas Já” e das greves do ABC Paulista. São Paulo, o Estado que liderou o processo de modernidade brasileira, foi o berço desse processo. O novo, na ocasião, era representado pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), com Covas sendo candidato, e o PT (Partido dos Trabalhadores), com Lula sendo um outro candidato. Ambos receberam apoios da esquerda e da direita tradicionais. O PCdoB, por exemplo, apoiou o PSDB no Ceará.

Essa articulação representava o Brasil que despontava para a modernidade. Weber, portanto, foi o principal intelectual a orientar as ações nessa direção, e influenciou intelectuais que refletiam esse processo, como o próprio Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, que viria a ser presidente depois, Raymundo Faoro, entre outros, que buscavam orientação na modernidade alemã. Marx também estava presente, citado, mas a ênfase para a realidade brasileira era weberiana.

O candidato da elite industrial e intelectual, Mário Covas, não tinha o carisma dos dois candidatos do Nordeste: Collor e Lula. A modernidade de Collor era ser chamado de “Caçador de Marajá”, contra os tradicionais “Coronéis” do Nordeste. A elite paulista, para fugir de Lula, pois desconfiavam do seu liberalismo, embarcou na candidatura de Collor, que ganhou as eleições com muita dificuldade, pois foi uma estratégia da TV Globo, na última hora, que editaria o debate final de campanha em proveito de Collor. A TV Globo, de forma civilizada, pediu desculpas anos depois.

A elite paulista não aprovou a modernidade de Collor, o seu choque de capitalismo era diferente do choque programado por Covas, pois Collor marcou o fim do modelo “Nacional desenvolvimentista”, a proteção do Estado para o processo de Industrialização. Collor definiu seu modelo como um tiro na cabeça do Tigre. A igualdade e a liberdade se estabeleceria de forma natural: prendeu dinheiro de todos e permitiu a competição na elite do PIB brasileiro, com produtos importados, como carros e computadores. Os empresários passaram depois a apoiar o Lula. 
Tudo começou, portanto, com a direita democrática, que Collor representou, e se identificava como liberalismo social.

Ele teve dificuldade com a governabilidade do processo por conta da ausência dos partidos políticos, modernos e representativos. Foi o primeiro atropelo do processo de modernidade brasileira e sua entrada na modernidade, essa crise de representação política entre o moderno e o tradicional. Esse dilema está presente também nessa crise de governabilidade que o governo Bolsonaro encerra nesse percurso. Estamos entrando em mudanças também em nível da ordem mundial.

Assistimos, assim, à consolidação do modelo de Presidencialismo de coalizão com a hegemonia da Social Democracia. Esses dois partidos que surgiram da mobilização da sociedade civil passaram a se alternar na disputa para Presidente da República até a eleição de 2018. A disputa entre PT e PSDB, que se processava na ocupação do centro-esquerda do espectro político, era pela localização. O PSDB empurrava o PT para mais à esquerda e o PT empurrava o PSDB para a direita.

Por limitação de espaço, nosso próximo texto discutirá o papel da geopolítica e sua influência nesse processo de consolidação da Democracia brasileira.

Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.

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Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.