A CAIXA E A AUSÊNCIA DE LIBERDADE NA SOCIEDADE CAIXIANA – PARTE I.

 

Nesta noite de domingo estou a escrever. Ao tempo (noite) que procuro ocupar o espaço da folha escuto a trilha sonora do filme Os Miseráveis inspirado na obra literária de Victor Hugo. O tempo (clima) frio e chuvoso associado ao tempo (lento) da pandemia Covid-19 parece não passar. Apenas parece. Os dias se alongam permanecendo em suas 24 horas de duração. De toda forma este não é um texto sobre tempo (passado, presente ou futuro) ou, muito menos, acerca da pandemia Covid-19. É uma pequena reflexão sobre o aprisionamento do humano causado pela palavra caixa quando posta no modismo em que se tornou “pensar fora da caixa”. Tal expressão vem sendo uma das mais utilizadas nos últimos anos como sendo uma revolução, sem evolução, na forma do pensar. 

Necessário, primeiro, que possamos compreender que o ato de pensar é individual e, ante tal obviedade, se faz necessário reafirmar: o ato de pensar continua sendo individual. Um ato individual, e humano, diante das contribuições da filosofia, da literatura, da sociologia, da história, atrelada às questões éticas e morais a envolver cada ser em sua especificidade. Mas, nem todo pensar é uma revolução ou é revolucionário. Calma, isto não é um texto sobre política partidária, embora todo texto seja a afirmação de uma posição política. A etimologia da palavra revolução nos leva à evolução, tanto que a mesma é empregada ao conjunto da obra de Copérnico. Ou seja, a Revolução Copernicana pelo que a mesma nos trouxe de evolução no campo do conhecimento. Então, deve residir no leitor que até aqui chegou, qual a relação do título deste, Caixa e ausência da liberdade na Sociedade Caixiana, com a palavra revolução? Deixemos claro que a Sociedade Caixiana não pode ser encontrada nas cartas cartográficas, embora esteja presente em todas as sociedades humanas.

Não será necessário, para desencanto de muitos, saber o formato da caixa, ou do mapa da Sociedade Caixiana. Qual seu desenho? Será a caixa quadrada? Não nos interessa a figura geométrica da caixa, mas a expressão “pensar fora da caixa”. Vamos então transportar a caixa enquanto sendo uma representação do tecido social onde nos encontramos (se é que este tecido social ainda existe, visto todo tecido social ser possível de processo autodestrutivo). Se devemos pensar fora da caixa é porque estamos a viver em sociedade, no universo do contrato social como pensado por Rousseau. Então, “pensar fora da caixa” significaria um ato de revolução causando a destruição da caixa e, portanto, a modificação das estruturas social, política, econômica e cultural da sociedade, digo, caixa. No caso em comento, da Sociedade Caixiana.

Confesso ao leitor o meu total desconhecimento sobre a autoria da expressão “pensar fora da caixa”. Peço perdão ao leitor por não deter tal informação e, sendo assim, não ter como aqui escrever o nome do autor. Penso, entretanto, que se é necessário “pensar fora da caixa” para evoluir tal situação não encontra respaldo na filosofia, na sociologia, na história ou na literatura. Por que este comando normativo? “Pense fora da caixa” assim que você estará evoluindo. Não. De forma alguma. Negativo em absoluto, mesmo diante da inexistência do absoluto.

No universo da Sociedade Caixiana devem existir as condições temporais e espaciais de pensar dentro da caixa para, assim, ser possível transformar a caixa. Por que devo pensar fora dela? De nada teria valia meu pensar, muito menos o que dela viesse à tona. O emergir do pensamento novo não teria sentido como hoje flanar é impossível devido ao isolamento social advindo com a pandemia Covid-19. Quero residir na caixa e ter as condições para pensar, transformar a caixa, seu material e aqueles que a habitam a Sociedade Caixiana  e, desta forma, melhorar a vida dos habitantes da caixa. 

Imagine o leitor uma caixa. De qualquer forma e tamanho. Imaginou. Se imagine sendo transportado para dentro da mesma e procure agora pensar. A caixa está fechada. O ar não penetra. Estou sufocado e sem ter como pensar. Tal fato retira minha liberdade (se é que esta existe) e me impede do ato de refletir. Apresentam-se, então, duas opções: Devo fugir da caixa para pensar fora desta? Ou devo resistir e pensar dentro dela até conseguir transformar o formato e espacialidade da caixa, no caso da sociedade? Advogamos pela segunda opção. 

Não esqueçamos que as grandes (re) evoluções da humanidade foram pensadas no interior de suas devidas caixas (sociedades). A Revolução Americana, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial inglesa. Assim como as grandes transformações no pensar filosófico da humanidade ocorreram no interior de seus espaços denominados de caixa. Assim ocorreu com Sócrates, Platão, Aristóteles, Sto. Agostinho, Sto. Tomás de Aquino, Dante, Maquiavel, Hobbes, Locke, Rousseu, Kant e a lista, embora finita, não caberia nesta caixa de texto denominada de Word. O que seria de Rousseau a pensar a liberdade sem a repressão do Estado absolutista francês? E os exemplos, assim como autores e caixas, aqui não cabem por questão do espaço limitado chamado folha.

A expressão “pensar fora da caixa” foi, de forma clara e objetiva, ganhando terreno no espaço denominado de Educação. Inúmeros educadores falam da necessidade de se “pensar fora da caixa” quando os problemas da Educação não estão fora dela, mas no interior da própria Educação. A caixa Educação, enquanto espaço a compor a Sociedade Caixiana, carrega consigo inúmeros problemas para os quais soluções são necessárias. Urge pensar solução para a Educação dentro da Educação. 

Mas como pode o educador pensar em (re) evolução dentro da educação estando fora dela? Ou seja, é preciso viver/ser educador para pensar no universo da caixa educacional os problemas que esta apresenta para, posteriormente, apresentar soluções. Caso o educador venha a “pensar fora da caixa” estará, assim, fora da educação e poderá, quando muito, dizer como outros educadores podem/devem agir sem que ele esteja apto a apontar como aplicar a solução mágica (sentido literal da palavra) encontrada fora da caixa.

Reside, ainda, outro problema. A saber. Como sair da caixa? 

Devo rasgar a lateral da caixa e sair pelo espaço criado? 

Ou devo escalar a lateral da parede da caixa me agarrar à tampa desta e pular fora? 

Não adentraremos ao material da caixa. Se de papelão ou de metal.  Mas, ao sair da caixa para “pensar fora da caixa” eu estaria deixando os problemas por serem enfrentados lá. Seria, portanto, uma fuga aos problemas e não uma busca de como resolvê-los. E como posso pensar algo se não vejo sobre o que pensar? Estaria, se muito, a deixar os problemas no mesmo local e construindo uma solução distante da problemática a residir no interior da caixa. Sendo assim, a solução apresentada uma não solução por residir um “pensar fora da caixa”. 

Portanto, caro leitor, (neste momento escuto Os Beatles) devemos ter a coragem de resistir e enfrentar o que existe no interior da caixa pensando dentro desta, conhecendo seu interior e, assim, estando familiarizado com seus problemas para elaborar um novo conjunto de ideias compatíveis com o interior da Sociedade Caixiana. Antes que alguém diga ser necessário refletir de que a palavra caixa na aludida expressão está relacionada com o que temos no interior de nosso cérebro (também chamado de caixa) o princípio aplicável é o mesmo. Afinal, ninguém pensa fora da massa encefálica. Não existe possibilidade de pensar fora do que possuo enquanto informação (estado bruto) associada ao conhecimento (informação trabalhada) até chegar à sabedoria (conhecimento aprofundado) se faz necessário um exercício do qual muitos, educadores ou não, estão a fugir tem algum (longo) tempo: o ato de virar a página em um exercício físico chamado leitura. Leitura é exercício físico? Pode perguntar o leitor. Sim, e o mais completo exercício físico. Trabalha desde da massa encefálica à musculatura. Quantas vezes você precisa mover seu braço, o antebraço, a mão e os dedos para virar a página de um livro que está lendo? 

O ato da leitura, este sim, é o verdadeiro caminho à (re) evolução no conhecimento seja no campo educacional ou em qualquer outro território por transformar o interior de um membro da Sociedade Caixiana podendo este vir a contagiar os demais habitantes da Sociedade Caixiana. Necessário enfrentar páginas e mais páginas para permanecer na caixa pensando de forma diversa da anterior. A maior parte da população brasileira “aprende” a ler um texto literário ou filosófico buscando soluções para um exame na escola, para um concurso. Isto nos encaminha a uma outra situação não distante da que estamos a discorrer. 

“Pensar fora da caixa” é, em outras palavras ver a leitura enquanto obrigação de se ler um texto literário/filosófico para prestar um exame e não pela vontade de conhecer o texto em si para criar possibilidades de conhecer a si na condição de membro da Sociedade Caixiana. Isto (“pensar fora da caixa”) termina por causar um distanciamento entre leitor e autor.
Tal distanciamento entre o texto e o leitor se aprofunda ao longo do tempo se o “leitor” não conseguir êxito nos exames para os quais foi obrigado a “ler” tais obras literárias/filosóficas. Sabemos que pode o habitante da Sociedade Caixiana optar por pesquisar no território da internet e encontrar leituras realizadas e, assim, passar em seu exame, assumir nova função no território da empregabilidade na ilusão de ter conseguido “pensar fora da caixa”. Este, realmente, pensou fora da caixa. Afinal, não compreendeu nada, mesmo estando aprovado. A Sociedade Caixiana persegue os que pensam a partir de seu interior e beneficia os “filósofos” a “pensar fora da caixa” pois, assim, a Sociedade Caixiana vai mantendo sua estrutura educacional de nada transformar. 

Claro que isto independe do autor lido.
A distância aumentada vai caminhando pelo território das palavras e construindo o resultado de que passamos a escrever cada vez menos. Resultado do “pensar fora da caixa”.

Nos acostumamos a olhar (sem interpretação) para citações, orelhas de livros, nomes de autores considerados famosos em desconsideração aos clássicos, citações de rodapé lidas sem o devido contexto. Cabe, aqui, um esclarecimento sobre autores considerados famosos e os clássicos. Autores famosos são aqueles a vender milhões de exemplares através da fórmula mágica do “pensar fora da caixa”, enquanto os exemplares de Aristóteles, Platão, Locke, Rousseau, Kant e tantos outros ficam à margem da Sociedade Caixiana que percebe o perigo existente na leitura dos mesmos. A máquina de propaganda da Sociedade Caixiana transforma logo alguns a “pensar fora da caixa” em famosos, embora sem conteúdo, de forma a manter o conteúdo distante dos habitantes da Sociedade Caixiana. Tal situação nos leva ao ponto de compreensão de o texto em si não ser lido e não se tem vontade de ser por parte do leitor, embora o texto esteja a solicitar ser lido.
Conseguimos criar uma cultura de distanciamento do texto literário, filosófico, sociológico em favorecimento dos famosos. Como consequência nasce uma distância da arte de produzir um novo texto pela mágica imposta de “pensar fora da caixa”. Ou seja, os habitantes da Sociedade Caixiana acreditam que os problemas podem ser resolvidos em um passe de mágica. Lembrando que todo bom mágico sempre tem uma caixa em seu truque ilusionista, assim como a propaganda da Sociedade Caixiana em elevar o “pensar fora da caixa” como sendo a solução.

Os leitores são sempre poucos e os criticados de sempre. Não leitores dos famosos, estes são elogiados pela máquina de propaganda da Sociedade Caixiana, enquanto a crítica é dirigida a quem ler os clássicos.
Outro ponto, atrelado ao até agora discutido, reside que o crescimento da leitura no campo literário no Brasil é pequeno por estarmos a privilegiar o escrever certo através da alfabetização como não fosse possível aprender a escrever corretamente através do hábito da leitura.

Não estamos a querer retirar do ato de escrever da necessidade da ortografia correta. Não, pelo contrário. Somos ardorosos defensores desta escrita denominada de correta, embora estamos a acreditar que o escrever correto dependendo do que for posto pode ser um limitador ao pensar e um defensor do “pensar fora da caixa”. Estamos a afirmar que existe uma necessidade de se aprender a escrever pelo hábito da leitura. A ortografia não leva à descoberta (campo da criatividade), mas a um exercício de repetição (campo do aprisionamento/limitação, uma artimanha do “pensar fora da caixa”). E tal fato somente ocorre pela fórmula mágica imposta de “pensar fora da caixa” desconsiderando a capacidade criativa do educador e do educando para aprisiona-los no universo do “pensar fora da caixa” para que não conheçam o interior da Sociedade Caixiana.

A leitura nos leva, a cada página virada, a um mundo diferente. A cada mundo diferente surge uma palavra nova onde necessário se faz apreender o seu significado, seu símbolo, seu signo. É imperioso procurar nos relacionarmos com palavras novas, desconhecidas do nosso mundo caixeiro para transformarmos a Sociedade Caixiana. Adentramos, a cada frase lida no caminhar pela página de um texto a um mundo desconhecido e, sendo por nossa pessoa algo novo, nos é posto o desafio de entendê-lo. Ocorre ser o entendimento possível apenas no interior da Sociedade Caixiana, nunca no “pensar fora da caixa”.

Nossa cultura nos momentos em que fez a escolha pelo texto literário deu passos largos. Assim foi com a Semana de Arte Moderna em 1922, com o Manifesto Regionalista de 1926, com os regionalistas da década de 30 e a lista é enorme. Infelizmente estes autores não são postos como caminho à escrita. A escrita ficou para o processo de alfabetização como que fosse possível escrever sem pensar. Eis um dos problemas da Sociedade Caixiana em seu espaço da Educação.

De forma análoga podemos afirmar que não encontrarás justiça se a sociedade não tiver atos de injustiça, não encontrarás pedras trabalhadas se antes a pedra bruta não foi procurada e, claro, trabalhada. Em Antígona o ideal de justiça não foi procurado fora do reino. Foi necessário apenas pensar no reino (dentro da caixa), no caso de Antígona, para construir argumentos plausíveis e enfrentar o Estado de injustiça posto. 

Assim deve ser com a Educação. Imperioso pensar no universo educacional, referenciar-se em obras teóricas vividas no âmbito da Educação para, assim, pensar em soluções. Aponto, assim, ao leitor, que o primeiro passo para enfrentar é resistir. Permanecer na caixa (não deixemos a Sociedade Caixiana) e conhecer seus problemas para ir, aos poucos, pensando nas soluções. Nada de sair da caixa. Vamos resistir. Lutar por nossa permanência na caixa e resolvermos os problemas apresentados para nós, educadores.

Ao autor da expressão “pensar fora da caixa” informo que estou a solicitar o auxílio dos leitores para encontrar sua pessoa e alertá-lo que retorne ao interior da caixa e venha conosco pensar. Não sabes o quanto estás perdendo estando fora da caixa. Ao momento que encerro este texto é segunda-feira. É hoje, tempo (presente) embora a primeira letra deste texto tenha já um bom tempo (passado) em que encontra-se digitada. E encerro o texto, não a discussão, ao som dos garotos de Liverpool que somente puderam revolucionar o rock porque compuseram na Sociedade Caixiana do rock. Viva Os Beatles!!!!!

   

Medeiros Júnior

José Flôr de Medeiros Júnior é Mestre em Direito Econômico - PPGD/Unipê e em Ciências Jurídicas - PPGCJ/UFPB, Pós-Graduado em História (UEPB), graduado em Direito - Unifacisa – PB e em História - UEPB. Professor de Direito e Consultor em Educação. Autor de livros, capítulos de livros e artigos sobre meio ambiente, cidadania e o tempo enquanto discussão filosófica. Apaixonado pela literatura com especial olhar aos escritos de Dostoiévski, Camus, Kafka, Borges, Saramago, James Joyce, Mário Vargas Llosa, George Orwell, Umberto Eco. Leitor de Nietzsche, Foucault e Certeau, mas prefere conversar com Walter Benjamin.

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Medeiros Júnior

José Flôr de Medeiros Júnior é Mestre em Direito Econômico - PPGD/Unipê e em Ciências Jurídicas - PPGCJ/UFPB, Pós-Graduado em História (UEPB), graduado em Direito - Unifacisa – PB e em História - UEPB. Professor de Direito e Consultor em Educação. Autor de livros, capítulos de livros e artigos sobre meio ambiente, cidadania e o tempo enquanto discussão filosófica. Apaixonado pela literatura com especial olhar aos escritos de Dostoiévski, Camus, Kafka, Borges, Saramago, James Joyce, Mário Vargas Llosa, George Orwell, Umberto Eco. Leitor de Nietzsche, Foucault e Certeau, mas prefere conversar com Walter Benjamin.