A BIPOLARIDADE E A ESTUPIDEZ DOS NEOINSENSATOS

Em uma perspectiva política, o Estado Brasileiro é hoje um paciente acometido de esquizofrenia ideológica e da bipolaridade do “nós” contra “eles”, a que se reporta Luiz Eduardo Soares, no livro O Brasil e seu duplo.

Incorporando categorias de análises teóricas e práticas da história política recente do País, o autor se mantém equidistante do sectarismo que permeia a realidade atual e, de maneira racional, procede a uma análise político-sociológica, na qual identifica a gênese dessas patologias e discute os extremismos da ideologização ora experimentada.

Esse ambiente conflagrado com acentuado grau de estupidez em significativa parcela dos pretensos letrados, politizados e urbanos, no dizer do historiador e intelectual eclético Rui Martinho Rodrigues, atinge diretamente, não apenas, as instituições jurídico-politicas, ensejando agudo desgaste para suas imagens pela perda de confiança e credibilidade, mas também, paulatinamente, corrói e fragiliza as estruturas sobre as quais se assenta à democracia.

Por um dever com a verdade histórica, também, não se há de omitir a noção de que os sintomas dessa bipolaridade, hoje na fase mais ativa da doença, se manifestam ainda nos tempos anteriores à ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, quando o PT se fazia parecer detentor exclusivo das virtudes morais e éticas, políticas e sociais do povo brasileiro.

O fato é que, embora tenhamos hoje uma democracia eleitoral consolidada, desde a Constituição Cidadã que legou à população garantias de direitos individuais e coletivos, identidade democrática formal ao Estado Nacional, preconizado pelos princípios federativos na práticaainda vivemos à mingua de quase todas essas conquistas e, nesses “tempos estranhos” agora vivenciados, muitas delas estão sendo suprimidas ou simplesmente negadas pelo atual mandarinato. Dirão elesque é por causa da pandemia. Quanto a “nós”, bem, fica-nos de sobejo o jus sperniandi. Quem, entretanto, são “eles”? E o “nós”, a quem nos referimos? As respostas dependem do lado onde estiver o observador.

Como categoria linguística, “eles” é pronome, na terceira pessoa do plural, e, na definição contida na obra O Brasil e seu duplo, […] eles são poderosos, decidem, omitem-se, fazem e desfazem, afetando a vida coletiva, inclusive e especialmente (pois é este o foco) a experiência imediata dos interlocutores, para o bem e para o mal. Com mais frequência para o mal, é o que parecem sussurrar as vozes do cotidiano. “Eles” costumam ser vistos como os que roubam, desrespeitam o patrimônio público e o “povo”. “Eles” são as elites em um sentido bastante amplo: sobretudo governantes e políticos, mas também, em alguns momentos, líderes sindicais ou de certos movimentos sociais cujas manifestações ruidosas atrapalham a fluência do cotidiano. Por exemplo, durante uma greve que paralisa serviços públicos, o pronome pode ser usado pejorativamente contra os agentes da greve, como suporte de acusações

Abstraindo-se do maniqueísmo predominante, que sustenta essa atmosfera de intolerância, bem como da pandemia, e retroagindo ao início do pósredemocratização, para o bem e para o mal, como exprime o autor na obra referida, criava-se naquele período uma espécie de consenso “[…] em torno de um pacto constitucional, de natureza social-democrata, distintamente interpretado pela centro-direita e pela centro-esquerda de acordo com as conjunturas e a correlação de forças”.

Expresso de outro modo PSDB e PT revezavam-se no poder, impondo diversas inflexões ao “[…]híbrido crescimento-distribuição, privatismo-estatismo, alinhamentoindependência internacional, enquanto foram coniventes com os mais vários desvios na condução dos negócios do governo, deixaram que se disseminasse uma moléstia ainda mais grave chamada corrupção, que, além do trilionário prejuízo causado à Nação, à extensão desse tempo, criou as condições para o surgimento de uma cultura política negacionista e predadora, por demais perversa e até estúpida em muitas das suas ações como a que está em vigência entre nós.

Para ficarmos apenas com a mais emblemática dessas estupidezes, que baliza muitas das ações do atual governo, basta olharmos o que vem ocorrendo com a destruição dos nossos biomas, não só na Amazônia, mas também no Pantanal, nas áreas de restinga e de mangues, bem como do que ainda resta de Mata Atlântica, onde o fogo está queimando inclusive a “boiada”, que o Ministro do Meio Ambiente Ricardo Sales está tentando passareliminando todo o marco regulatório ambiental.

O mais constrangedor é o fato de que, quando questionado, inclusive pela comunidade internacional como a União Europeia o argumento e a justificativa, tanto do vice-presidente Hamilton Mourão, quanto do Ministro do Meio Ambiente, são risíveis, e de tal modo estúpidas quanto a destruição que patrocinam, pois argumentam que a Europa, por ter destruído suas florestas, não tem o direito de reivindicar que o Brasil proteja as suas! É como se o erro cometido no passado pela França, Reino Unido e outros justificasse o crime perpetrado hoje em nosso País. Coisa mais cínica do que essa é impossível!

A propósito, o psicanalista Mauro Mendes, em seu livro O discurso da estupidez, ao qual se refere o professor Lênio Luiz Streck, em artigo publicado pelo blog Consultor Jurídico, revela que “[…] a estupidez não é autoengendrada. Isto porque, de um lado, ela não é causa; de outro, ela mantém relação com o tipo de ação da verdade que emerge parcialmente nela”.

Nessa definição encontramos a relação imanente que emerge do negacionismo vigente, bem como das ações dos seus portavozes, para quem a destruição das florestas pelo fogo e pelas motosserras, ocorrente em quaisquer das áreas, bem como as imagens dos animais calcinados, não passam de conspiração de ONGs, ou coisa de caboclos e índios, que queimam as florestas por sobrevivência, consoante as imagens de satélites divulgadas pelo INPE, mostrando a devastação, e que não passam de uma montagem; é tudo Fake News! Mais trágico e estupido é impensável!

Se você está surpreso e incomodado com tamanha ignorância, prepare-se para o que ainda vai ler! No mundo do saber histórico e dos livros clássicos, é consabido que, depois da Bíblia, o primeiro best seller, traduzido para 34 idiomas, foi o livro a Nau do Insensatos, escrito em 1494, por Sebastian Brand, pouco antes do descobrimento do Brasil. Com muito sarcasmo e utilizando-se de refinada ironia em seu artigo, Lênio Luiz Streck acentua que nesses tempos de crença em que a Terra é plana, andam dizendo por aí que tem gente revisando essa obra. Permito-me acrescentar que, com a estupidez em voga, não se surpreenderia se algum negacionista cometesse tamanha “estultice”.

Claro que essa esquizofrenia e tal bipolaridade do “nós contra eles”, que produziram todo esse estádio de letargia e obscurantismo, provocado pelos parcos recursos mentais entre os “indignados”, embora tenham emergido com a ascensão dos neoinsensatos ao poder, de que nos fala Mauro Mendes, no O discurso da estupidez, hoje perpassam o âmbito do governo. Em maior ou menor grau, permeiam todos os segmentos da sociedade, alguns com maior visibilidade, como certos setores da imprensa, que mercantilizam e manipulam a informação, bem como partes dos meios jurídicos, que sabem pouco de Direito mas entendem muito de como influenciar decisões em favor dos seus clientes, para ficar nesses dois que têm muito protagonismo, pela natureza de suas atuações.

PSUMA COMUNICAÇÃO NECESSÁRIA.

Acerca do artigo da semana que passou (onde tratamos da trama com a participação inclusive dos banqueiros para aprovação pelo Congresso, da PEC10, dando ao Banco Central autorização e um cheque em branco para a compra dos chamados “títulos podres”, aos bancos privados, que, segundo especialistas, podeultrapassar alguns trilhões de reais), recebemos muitos e-mails e comentários.Entre tantos, um foi enviado pelo deputado federal Mauro Filho (PDT-CE), e chamou nossa atenção para o seu esforço e da bancada do seu partido na Câmara para aprovação de uma emenda de sua autoria, que transcrevemos a seguir.

Veja como era a PEC 10/2020 (PEC da Guerra) e como ficou a versão final. Portanto, com minha emenda, o crédito podre é quase impossível. Mas não foi fácil conseguir essa “proeza”.  Percebo que os seus comentários, tem caráter geral, E analisa a versão antes das correções. De todos os Banco Central pelo mundo, a legislação reguladora mais DURA e pormenorizada, inclusive com a prestação de contas INDIVIDUALIZADAS e com especificação de rating de cada título comprado (quase não consigo aprovar essa correção) é inequivocamente a do nosso país com minha modesta colaboração. Basta ler os Parágrafos 9, 10, da PEC 10/2020(versão original) e o Art. 7o. da EC 106 já publicada”. Abraço “

Comentários e críticas para: [email protected]

 

Arnaldo Santos

Arnaldo Santos é jornalista, sociólogo, doutor em Ciencia Política, pela Universidade Nova de Lisboa. É pesquisador do Laboratório de Estudos da Pobreza – LEP/CAEN/UFC, e do Observatório do Federalismo Brasileiro. Como sociólogo e pesquisador da história política do Ceará, publicou vários livros na área de política, e de economia, dentre eles - Mudancismo e Social Democracia - Impeachment, Ascenção e Queda de um Presidente - sobre o ex-Presidente Collor, em 2010, pela Cia. do Livro. - Micro Crédito e Desenvolvimento Regional, - BNB – 60 Anos de Desenvolvimento - Esses dois últimos, em co-autoria com Francisco Goes. ​Arnaldo Santos é membro da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo – ACLJ, e da Sociedade Internacional de História do século XVIII com sede em Lisboa.

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Arnaldo Santos

Arnaldo Santos é jornalista, sociólogo, doutor em Ciencia Política, pela Universidade Nova de Lisboa. É pesquisador do Laboratório de Estudos da Pobreza – LEP/CAEN/UFC, e do Observatório do Federalismo Brasileiro. Como sociólogo e pesquisador da história política do Ceará, publicou vários livros na área de política, e de economia, dentre eles - Mudancismo e Social Democracia - Impeachment, Ascenção e Queda de um Presidente - sobre o ex-Presidente Collor, em 2010, pela Cia. do Livro. - Micro Crédito e Desenvolvimento Regional, - BNB – 60 Anos de Desenvolvimento - Esses dois últimos, em co-autoria com Francisco Goes. ​Arnaldo Santos é membro da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo – ACLJ, e da Sociedade Internacional de História do século XVIII com sede em Lisboa.