“As nossas tragédias são sempre de uma profunda banalidade para os outros.”
Oscar Wilde
Quando analisávamos o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – mundo afora, já víamos quão pobre é a maioria dos seres humanos que habitam nosso Planeta, apesar de todo o desenvolvimento científico adquirido nos vários campos das ciências.
Ultimamente tais índices desabaram, seja por conta da crise capitalista sistêmica; pelo seu agravamento em decorrência da paralisia decorrente do confinamento compulsório da propagação e morte pelo coronavírus; ou pela questão climática advinda do comprovado aquecimento global que está gerando sérios impasses na produção de alimentos e energia.
Neste contexto social mundial, o Brasil tem se destacado de modo negativo. Somos campeões em contaminação e mortes pelo cornavírus;
– temos o real, a moeda que mais se desvalorizou entre as demais em relação ao dólar, moeda internacional desde o final da segunda guerra mundial;
– estamos com graves problemas energéticos em decorrência de secas, vez que o Brasil tem na energia hidráulica a sua fonte mais expressiva;
– tivemos neste mês de setembro a mais alta inflação num único mês desde o início do plano real;
– aumenta a falência dos pequenos negócios;
– continuam as altas taxas de desemprego, que somados aos 14 milhões das estatísticas com aqueles que já não mais constam de tais números por já não mais procurarem empregos, há quem diga que temos cerca de 30 milhões de desempregados;
– a fome grassa nas periferias das cidades brasileiras, e as pessoas desesperadas catam lixo nos bairros elegantes, pés de galinha mais baratos para fazer canja e ossos nos frigorífico, num país que tem mais gado do que gente;
– já são 27 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza;
– aumentam os índices de criminalidade assustadoramente, e os bandidos, em sua maioria advindos do segmento oprimido da sociedade, passam a ser opressores sociais via tráfico de drogas, milícias que vendem proteção, e todo tipo de subproduto criminoso da debacle social
A barbárie que temíamos e de cujos sintomas víamos aqui e ali se instalou de vez.
De quem é a culpa? Do Boçalnaro, o ignaro? Sim, em grande parte é dele.
De suas eleições de prioridades obtusas e do modelo contraditório de nacionalismo político e liberalismo econômico que introduziu ao seu governo com Ministros medíocres e lunáticos, que fizeram desde a apologia a remédios ineficazes em detrimento das vacinas;
– a outros que queriam destruir a Amazônia com a passagem da boiada; a outro que negava a condição indígena diferenciada e queria prender Ministros do STF;
– a outra que queria uniformizar meninos de azul e meninas de rosa;
– e um Ministro da Economia que queria mais Brasil e menos Brasília, mas manda seu dinheiro para um paraíso fiscal bem longe daqui.
Sim, o que é estruturalmente ruim, ficou pior com a eleição de alguém que se dizendo defensor dos militares, fora por eles defenestrado por insubordinação disciplinar. Ele é a contradição e a mentira em pessoa
É claro que com alguém com 28 anos de vida parlamentar sem apresentar nenhum projeto com substancia social representativa, e quando usou a tribuna foi sempre para exaltar o regime de exceção e seus algozes, afirmando que deveríamos ter matado 30.000 subversivos e que condecora milicianos, não poderíamos ter um desfecho diferente do que estamos tendo.
Mas há uma culpa estrutural do capitalismo e menos incidental do que a que acima nos referimos, e que não vai passar nem com um desejado impeachment ou pela substituição do energúmeno em 2022, ainda que tudo fique menos ruim sem ele.
Como é que podemos admitir que um país que fornece cerca de 18% dos alimentos consumidos mundo afora tenha seu povo passando fome e sua economia estagnada?
A resposta a esta indagação se resume no fato de que sob o capitalismo a produção de alimentos brasileira se destina à exportação do agronegócio que faz a alegria dos grandes produtores de grãos e proteínas animais e diminui a nossa ínfima posição no PIB, mas que não representa valor agregado como ocorre com as manufaturados de alta tecnologia.
Uma simples pílula contra carrapatos em cachorros custa nos pets shoppings R$ 70,00, e um saco de feijão de corda de 60 kgs no nordeste custa R$ 300,00. Assim, um saco de 60 kgs de tais pílulas com patentes farmacêuticas nos Estados Unidos e fabricadas aos montes no processo industrial custa alguns milhares de vezes mais que um saco de feijão.
O simples raciocínio acima demonstra muito bem o que significa a venda de mercadorias com valor agregado de tecnologia, seja farmacêutica, de comunicação, de computação, de máquinas de todas as espécies, etc., etc., etc., em relação à venda de commodities primárias produzidas e vendidas pelo Brasil no mercado mundial.
É a lógica do capital prevalecendo sobre relações econômicas leoninas. O liberalismo do Ministro Paulo Guedes nada mais é do que a liberdade de se juntar num mesmo galinheiro as raposas e as galinhas, como se as relações econômicas capitalistas fossem isonômicas.
O nacionalismo pretensamente patriótico do Boçalnaro, o ignaro, que sempre afirmou não entender de economia, não lhe permite compreender a contradição entre o nacionalismo militar estatizante (os governos militares estatizaram mais do que se pretendia com as reformas de base estruturais de Jango Goulart) e o liberalismo econômico de Paulo Guedes.
A confusão conceitual ideológica deste governo agrava a crise estrutural do capitalismo, e é o povo brasileiro quem paga o pato (aquele mesmo da Fiesp) dessa idiossincrasia ideológico-governamental.
Mas mesmo que se instale no governo um projeto político socialdemocrata tradicional, como será um governo sob Lula, com as alianças com os segmentos políticos elitistas do Brasil, que são os mais legítimos representantes do latifúndio do agronegócio e do capital industrial, comercial e financeiro, que já se anunciam, não teremos vida fácil.
Qualquer governante que sente na cadeira presidencial terá que administrar a impossível compatibilidade entre receitas fiscais e os gastos crescentes da máquina administrativa e suas incumbências constitucionais em um país que paga juros altos de sua dívida já calculada em 84% do PIB, que tem gastos corporativos que disparam por obediência legal de direitos adquiridos (e que serão negados em nome da idolatria ao capital), e que já não tem possibilidade de promover a indução ao desenvolvimento econômico que lhe seja capaz de aumentar a arrecadação fiscal.
Assim, pouco ou nada sobra para o atendimento das demandas sociais tão caras ao demagógico populismo político socialdemocrata, que termina sempre por criar falsas expectativas de solução dos problemas sociais e cair em desgaste político, ensejando a crença popular em projetos de ultradireita como ocorreu em 2018, ou até mesmo em ditaduras com seus falsos e moralistas promessas de combate à corrupção, como se a dita cuja já não existisse no próprio conceito de mediação social capitalista.
O futuro anunciado pelo capital chegou; e não podia ter outra forma senão com a carantonha da barbárie.
Até quando vamos ter que aturar o pêndulo da ineficácia governamental de todos os poderes verticalizados que têm por base o modo de produção capitalista em seus vários matizes ideológicos?