A vida é bela

“No meu entender o ser humano tem duas formas de enfrentar o trágico da existência: o sonho e o riso.”

Ariano Suassuna

Após 8 dias de cama por conta de uma virose forte num corpo de quase 73 anos, finalmente dormi por umas boas horas de sono reconfortante e me dei conta de como é bom estar voltando à plenitude da vida. A sensação é de alegria, apesar de tudo que vivemos neste início de século vinte e um, o que demonstra, implicitamente, que tenho esperança.

Conheço uma historinha engraçada ocorrida em Mossoró, cidade onde vivi de 1960 a 1970, na qual nasceu a minha descendência materna dos Rosados, de presença política marcante na região e Estado do Rio Grande do Norte, e que bem demonstra o apego que em geral temos à vida.

Meu pai era mineiro de Mariana, militar de baixa patente e de alta compostura humana, herói da segunda guerra mundial quando patrulhou o Atlântico Sul como radiotelegrafista de voo, recebendo medalha e promoção, o que o fez chegar a primeiro tenente da aeronáutica, após ir para a reserva, daí as minhas múltiplas andanças Brasil afora após o nascimento do Rio de Janeiro.

Em Mossoró, um bispo velhinho, de 95 anos, aposentado por invalidez episcopal, estava muito doente. O Bispo Diocesano colocou três seminaristas para acompanhar a evolução da doença que acometia o velho pároco, para confortá-lo diante de seu definhamento físico.

Os seminaristas começaram por relembrar ao velho pastor as benesses do Céu e, principalmente, as regalias que lhe seriam ofertadas de direito por Deus, como reconhecimento de sua santa vida terrena.
Começaram falando sobre sua entrada triunfal no Céu, que seria acompanhada de tapete vermelho cardinalício e anjos trocando trombetas; seria recebido pessoalmente por São Pedro que o levaria ao trono majestático de Jesus, filho de Deus tornado homem, e por aí vai.

Mas, ao invés do conforto desejado, à medida em que os seminaristas discorriam sobre a boa vida espiritual que o esperava, o velho ordenador de discípulos ficava cada vez mais tenso e ansioso, ao que um dos seminaristas preocupado, perguntou:
“Senhor Bispo: por que o senhor está ficando tão nervoso?

O bispo então respondeu: estou sentindo que essa conversa toda é porque estou perto da morte, mas queria ficar um pouco mais no calor de Mossoró, aqui é tão bonzinho…”

Salvo os casos de suicídios, por circunstâncias extremas, sejam patológicas do corpo, da alma, ou outras insuportáveis, todos damos graças de estarmos vivos, como disse Mercedes Sosa interpretando a bela música da chilena Violeta Parra na música Gracias a La Vida.

Há outra história que mostra a alegria e inspiração poética havidas a partir de uma recuperação da saúde. Consta que o compositor Paulo Soledade, após sair do hospital onde esteve internado por longo período e às portas da morte, compôs, no trajeto para a sua casa, a música “Estão voltando as flores”, uma marcha rancho que se tornaria um clássico na voz de sua mulher Helena de Lima, enquanto ela dirigia o carro que os levava para casa, e que dizia versos como estes:

“Vê, estão voltando as flores;
Vê, nessa manhã tão linda;
Vê, como é bonita a vida;
Vê, há esperança ainda…”

A linda e leve música de Roberto Menescal, “O barquinho”, um clássico da bossa nova, que fala de um “dia de luz, festa do sol, e o barquinho a deslizar no macio azul do mar… volta do mar, desmaia o sol, e o barquinho a deslizar, e a vontade de cantar…” e que nos induz a uma visão de momento de amor e felicidade na praia de Ipanema, resultou de uma situação crítica que resultou posteriormente na alegria de voltar após seu barco ser resgatado do mar por uma embarcação que passava por ali acidentalmente e prestou socorro àquela onde o compositor e muitos amigos estavam e que ficara à deriva rumo à África após pane mecânica.

Como disse o poeta paraibano Ariano Suassuna, tão rústico e suave como uma flor de mandacaru, “a tarefa de viver é dura, mas fascinante.” É a volta
a esse mundo da vida, ao mesmo tempo dura e fascinante, que me reporto à alegria da recuperação da saúde.

Num momento em que se fala tanto em guerra nuclear, cujos artefatos atômicos capazes de acabar com a vida no Planeta Terra, estão à mão de um governante qualquer de um país que detenha tal poder bélico, fico a pensar em como nós estamos à mercê destes que estão no topo do poder político e que são movidos por sentimentos mesquinhos de perpetuação como tais e teleguiados que, por uma ordem capitalista genocida que os impele à manutenção de uma relação social escravista e predatória da vida humana como zumbis teleguiados pela lógica abstrata e esquizofrênica da forma-valor.

Nunca é demais repetir que o capitalismo é genocida, e o poder político que a ele serve, formatado à sua imagem e semelhança, precisa ser superado porque a nossa vida não pode estar à disposição de sua lógica e dos políticos que a ela servem.

Os governantes não governam, mas são governados por uma ordem social que vive seus estertores pela própria disfuncionalidade, mas que quer se manter vigente, e que coloca mãos nervosas e vaidosas próximas em centímetros do botão da morte por bomba atômica.

Muitas vezes e, repetidamente, fico a me perguntar o que faria Adolf Hitler, no fundo sombrio do seu bunker situado no coração de Berlim, ao ouvir o estourar das bombas do exército vermelho, e se preparando para cometer suicídio, caso tivesse o poder atômico a ser acionado dali mesmo?

Será que já não está na hora de descentralizarmos o poder político e superarmos a forma de relação social que o engendra?

Como disse John Lennon, “a guerra acabou! Se você quiser”.

Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;

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Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;