(Artigo do jornalista Alex Solnik, originalmente publicado em Brasil 247)
Na edição de 20 de novembro de 1841 do jornal “O Maiorista”, que se publicava às 3as., 5as. e sábados na Tipografia e Livraria da Viúva Ogier e Filho, situada à Rua do Hospício 55, Rio de Janeiro, saiu uma versão bem-humorada do Código Penal de um suposto país chamado Passamão que satirizava usos e costumes da então Justiça brasileira.
Daí se deduz que naquela época já havia Gilmares Mendes por aqui.
Código Criminal Prático da Semi-República de Passamão na Oceania
Capítulo 1º.
Dos crimes e sua punição
Art. 1º. Por crime só se entenderá aquela ação que for cometida por pessoa de credo político diferente do do partido dominante e vencedor.
Art. 2º. Nenhum espertalhão do partido dominante, nenhum afilhado deste será declarado criminoso, faça o que fizer, enquanto intrigar, adular e sorrabar aos poderosos do dia. Decaídos estes, então se tomarão estreitas contas àqueles.
Art. 3º. Não se dará má fé, senão nos desafetos ao partido preponderante.
Art. 4º. Serão criminosos os que acolherem e derem asilo em sua casa a coisas furtadas ou aos sujeitos que por qualquer meio, gíria, esperteza ou alicantina embolsarem o alheio. Excetuam-se dessa disposição os altos contrabandistas e os magistrados.
Art. 5º. Os impressores, pintores ou gravadores de libelos famosos ou de qualquer coisa injuriosa só ficarão responsáveis e serão punidos se forem pobres, desvalidos ou se não estiverem sob a proteção da gente desfrutadora e dominante. A esta tudo é lícito e perdoável.
Capítulo 2º.
Das circunstâncias agravantes e atenuantes dos crimes
Art. 1º. São circunstâncias agravantes de qualquer crime:
– Incorrer o delinquente no desagrado do presidente da província ou de algum dos da sua clientela;
– Não ter em eleições votado na chapa do governo;
– Não se compor ou acomodar com as exigências mormente pecuniárias dos indivíduos preponderantes;
– O ser pobre, honrado e pacífico;
– Não ser do grande tom e não entrar na bisca das transações;
– Ter vergonha, consciência e religião;
– Ser bem criado e incapaz de abaixar-se e de cometer indignidades.
Art.3º. São circunstâncias atenuantes dos crimes:
– Ter bons protetores e padrinhos ricos;
– Poder e saber untar as mãos aos julgadores;
– Ter um promotor sujeito da sua parcialidade;
– Prometer votos nas próximas eleições a tais e tais juízes.
Capítulo 5º.
Dos crimes contra o presidente das províncias
Art. 1º. Levantar o pensamento, que seja, contra o presidente da província.
Pena – Inabilidade insanável para qualquer emprego público e perseguição na grau máximo.
Art. 2º. Escrever qualquer coisa pela imprensa que possa ofender, ainda de leve, ao presidente ou à sua clientela.
Penas – Quebrada a tipografia e o réu, seja quem for, recrutado para a Marinha ou para o Exército.
Art. 3º. Incorrer de qualquer maneira no desagrado do presidente.
Penas – Ódio figadal no grau máximo: indeferimentos absolutos, no médio e descomposturas dos periódicos escravos, no mínimo.
Capítulo 16
Peculado
Art. 1º. Apropriar-se o funcionário público, consumir, extraviar ou consentir que outrem se apropriem consuma ou extravie em todo ou em parte dinheiros ou efeitos públicos que tiver a seu cargo.
Penas – Título de recomendação para eleições, jus aos mais elevados cargos do estado e o foro grande.
Art. 2º. Emprestar dinheiros ou efeitos públicos, negociar com os dinheiros da nação.
Penas – Meter em si os lucros, enriquecer da noite para o dia e ser figurão importante da semi-república de Passamão.
N.B. Todo crime de responsabilidade dos empregados públicos, posto venha designado neste código só recairá sobre algum miserável, desvalido e de ínfima classe. Para os grandes a responsabilidade será sempre um objeto de escárnio.
“O Maiorista” era um jornal independente que fazia oposição escancarada e corajosa ao governo do primeiro-ministro Pedro de Araújo Lima (o nome era “ministro do Império”) acusado de corrupção e tirania.
Em 1842, o dono foi preso.