Se em janeiro deste ano pudemos constatar o avanço do Golpe institucional, com o julgamento pela turma do TRF-4 do recurso da defesa do presidente Luís Inácio Lula da Silva, no qual ficou evidente, por meio de denúncias e manifestações de juristas de diversos matizes ideológicos e teóricos, a articulação silenciosa e consensual dos magistrados em seus votos proferidos para manter a frágil e confusa sentença da primeira instância e ampliar a condenação do réu, agora em fevereiro está se confirmando o agravamento do ataque à democracia e à soberania popular pelo consórcio golpista.
O cenário que detonou a bomba desse recrudescimento ocorreu em pleno carnaval do Rio de Janeiro no desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti, cujo enredo foi a escravidão brasileira desde o descobrimento até os dias de hoje. A escola produziu ampla pesquisa histórica e sociológica, tendo como referência a obra do professor Jessé Sousa, A Elite do Atraso. Os destaques, além do belíssimo samba-enredo, foram as alas das carteiras de trabalho queimadas e as que denunciaram a manipulação imposta à população brasileira pelo poder dos meios de comunicação global ao forjar o ambiente social para que o Golpe pudesse ser dado sem percalços.
O incômodo foi geral. Os repórteres que faziam a cobertura ao vivo ficaram emudecidos pela surpresa da incisiva denúncia a desfilar pela Marquês de Sapucaí, em transmissão ao vivo e a cores para o Brasil e o mundo. Enormes mãos manipuladoras dos foliões vestidos de patos, a baterem panelas, além do Vampirão orientando a manipulação das pessoas vestidas de amarelo canarinho. A Tuiuti, com seu glorioso desfile, transformou-se numa grande bomba semiótica a viralizar pelas redes sociais a verdade política brasileira dos últimos três anos, e como sabemos a verdade (às vezes) dói bastante.
O impasse estava criado. Se já seria difícil ao consórcio golpista conseguir o quórum legislativo necessário para a aprovação de mais um Lei antipopular, no caso a perversa reforma da previdência dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras, com a desnudação realizada pela Tuiuti ficou inviável levar adiante tal descalabro. O Golpe ficou nu.
Numa manobra concertada e de improviso, foi anunciada na quinta-feira de cinzas a intervenção militar federal no estado do Rio de Janeiro. Com que motivação? Resolver o problema da violência. Mas de qual violência? Seria a violência a que é submetida a população fluminense pela falta das condições de saúde? Ou seria a violência vivida pelos adolescentes e jovens pobres pelo fato não terem acesso a uma educação de qualidade? E como esta intervenção federal militar pretende resolver o problema? Com amplos poderes de mandados de busca e apreensão coletivos. Dito de outra forma, entrar a qualquer hora e em qualquer casa dos moradores das comunidades populares do Rio, metendo o pé na porta. Diante desse quadro o general Eduardo Villas Boas, comandante do Exército, apressou-se em expedir uma nota onde destaca que “é necessário dar aos militares a garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade” (sic!).
Em Barbárie e Civilização, o antropólogo Tzvetan Todorov assinala que acreditar em julgamentos absolutos é desenvolver a enfermidade de um dogmatismo cego ao convencer-se de deter a exclusividade da verdade e da justiça, ao impor ao outro a mudez, a invisibilidade, negando-lhe a plena humanidade, impondo-lhe a exclusão da vida em civilização. Para conseguirem essa dominação, esses cegos-enfermos atuam como bárbaros recorrendo a diversas formas de violência para resolverem desacordos. Considerar os outros como menos humanos é uma típica forma de barbárie. Seria a isso que o general estaria se reportando quando enfatizou a garantia da ação militar? É isso que pretende o consórcio golpista?