Teori e o acaso, por J Carlos de Assis

Não escreverei sobre o tema do dia, a morte do ministro Teori Zavascki, porque não tenho indícios para suportar qualquer hipótese que não seja simplesmente de um acidente fatal. Escreverei sobre o acaso. A situação brasileira entrou num processo caótico tão agudo que a crise somente pode ser superada por interferência do acaso. Na Física, a superação da entropia dos sistemas caóticos depende da atuação de uma figura um tanto metafísica, chamada Atrator Estranho. O Atrator ordena o caos no limite deste.

 

Qual seria o Atrator Estranho que poderia por ordem em nosso sistema caótico? Não darei nomes, mas indicarei suas qualidades em face dos desafios que terá de enfrentar. Primeiro, há de ser honesto. Não muito honesto ou aparentemente honesto, mas simplesmente honesto. Segundo, há de ter uma autoridade moral irreparável que lhe autorize fazer uma limpeza em regra do Executivo a fim de purgar os dois principais vícios da administração pública, a corrupção e o corporativismo.

 

Terceiro, sua autoridade seria do tipo que constrangeria o Judiciário a reformar a si mesmo rompendo, também ali, os vícios da corrupção, do corporativismo e da atuação descarada em benefício próprio. Quarto, teria que ter coragem para enquadrar a Procuradoria Geral da República em mandamentos constitucionais, como o respeito ao devido processo legal nas causas contra os cidadãos comuns, e o respeito à independência dos poderes no caso de processos contra parlamentares e outras autoridades eleitas.

 

Por sua credibilidade, o Atrator Estranho estaria em condições de explicar à sociedade que, a despeito de tremendos vícios que possam cometer, parlamentares e outros políticos eleitos são portadores de um mandato do povo que tem de ser respeitado. Claro, os vícios muitas vezes superam as qualidades mas, numa democracia, a forma de corrigir isso são as eleições. Também existe o problema da eleição comprada. Para corrigir também isso o Atrator Estranho eliminaria a possibilidade de financiamento empresarial das campanhas eleitorais.

 

É óbvio que, dada a estrutura política republicana, o Atrator teria de começar seu trabalho pela presidência do Senado e da Câmara. Seu objetivo seria reconstituir a superestrutura política que se derreteu nos últimos meses e anos. Um presidente do Senado sem credibilidade, e um presidente da Câmara igualmente sem valor moral não teriam como conduzir processos de ruptura de ética contra deputados e senadores, ao mesmo tempo que protegendo-os contra denúncias infundadas relativas a crimes inexistentes.

Um Atrator Estranho que venha ordenar o sistema político e econômico brasileiro teria de ser, naturalmente, produto do acaso. A Física ainda não descobriu um meio determinístico ou probabilístico de prever a iminência da atuação de um. É possível encontrar exemplos deles na história das religiões e dos grandes sistemas morais: Jesus, Buda, Maomé, Confúcio, Lao Tsé, todos podem ter sido atratores estranhos. Se verificarem bem, surgiram como se fossem do acaso. Será que um Atrator Estranho já se encontra entre nós, por mero acaso?

 

Minha confiança no acaso tem uma justificativa: com todos os interlocutores com quem tenho falado nas últimas semanas e meses, toda vez que menciono uma remota possibilidade de trabalharmos para encontrar saídas para crise, encontro invariavelmente a mesma resposta: É muito, muito difícil. Ter parlamentares dignos nas presidências da Câmara e do Senado? Impossível. Mudar as relações entre Estados e União mediante o reconhecimento da nulidade de suas dívidas? Jamais. Criminalizar o caixa dois? Nunca. Diante de tantas impossibilidades a solução que me é recomendada é simplesmente uma, ou seja, senta no meio fio, chora e fica esperando alguma solução mágica. Enquanto isso os mandatários do poder absoluto instalados no Planalto avançam em alta velocidade com iniciativas legislativas sobre os direitos dos brasileiros criando uma série infinita de fatos consumados e crimes de lesa-pátria na economia. Contra isso só mesmo a ação do Atrator Estranho, talvez a partir dos presídios. Nesse sentido, a morte de Teori foi um aviso do acaso, inclusiva para ensinar a seus colegas do Supremo que não são deuses, mas mortais!

JOSE CARLOS DE ASSIS

Economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB

 
 
 

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