Separados na política, empresários e trabalhadores afogam-se na mesma crise – III, por Osvaldo Euclides

Houve um tempo em que havia entre os empresários aqueles que, ocupando ou não posições de direção nas associações, exerciam alguma liderança entre seus pares, fossem do comércio, da indústria, da construção civil ou outros setores (agropecuária, serviços etc). Essas organizações tinham em seus quadros pessoas experientes, conhecedoras das especificidades do setor e sensíveis às conexões dos interesses setoriais legítimos com a economia e com a política. E em todo setor havia aquele empreendedor que, mesmo não estando na entidade associativa, mesmo não sendo uma liderança formal, tinha tal domínio do negócio e tamanha acuidade política, que todos buscavam ouvi-lo, e ele sempre tinha algo a antecipar, ponderar ou a sugerir. Era esse conjunto de personalidades diversas, mas complementares, que fazia circular a informação necessária, promovia o debate indispensável e punha em contato entre si as pessoas decisivas de cada segmento.

Sem saudosismo e com o devido respeito, do meio empresarial se ouve dizer que as lideranças escassearam, os quadros das entidades estão menos qualificados, os empreendedores de referência saíram de cena (e seus substitutos não têm o mesmo brilho ou a mesma visão). Sinal disso é que aqui e ali entidades industriais são dirigidas por não-industriais, entidades empresariais são dirigidas por executivos. Se há ganhos, também há perdas nessa circunstância. O ambiente dos negócios e a convivência entre os homens de negócios empobreceu com tais mudanças. Pior, abriu espaço para figuras que, apesar de espertas, jeitosas e ágeis, fazem muito movimento e pouca ou nenhuma ação. Lêem e circulam, mas não captam os sinais que vêm da política e das notícias, estão presentes aos eventos, mas não são efetivamente ouvidas por quem decide. Não têm visão do futuro, não sabem como construí-lo no presente.

O mais evidente sinal de que isso acontece está na crise que se deixou acontecer ao longo dos últimos dois anos, mais ou menos, quando o pessimismo e o catastrofismo foi soprado por lideranças que não se sabe bem quem são, e foram apoiadas, repetidas e ampliadas por todo mundo sabe quem. Um gol contra, um tiro no pé, uma auto-flagelação sem limites. O objetivo era a política e a arma foi a economia, os homens que empreendem e produzem estão pagando a fatura, dizem alguns, hoje, quando a coisa está feia e pintada agora com as verdadeiras tintas – ou seja, não é mais catastrofismo ou pessimismo, agora é real, há efetiva recessão e efetivo desemprego, queda de vendas e de arrecadação. E se alguém achava que era só uma troca de guarda no Palácio e tudo se resolveria, a crise real vai fazer dois anos.

É também evidente que os empresários que realmente produzem perderam a voz e o poder de serem ouvidos, apesar de serem eles que carregam o piano e fazem a roda da economia girar. O espaço noticioso e o debate público estão quase cem por cento ocupados pela visão e pela palavra dos caciques do mercado financeiro. Industriais e comerciantes pouco falam, pouco são ouvidos, aparecem publicamente com assuntos específicos demais, pontuais demais, quase como pequenas curiosidades. Isso talvez se possa chamar de perda de força política. Perda total, quase. Sequer há uma agenda ou pauta de questões dos empresários da indústria, do comércio e outros.

No passado, depois de uma semana de más notícias, a turma empresarial do “deixa disso” entrava em campo e acalmava os ânimos e promovia os entendimentos necessários, para não atrapalhar os negócios, para não disseminar o pessimismo e a desconfiança. A imprensa era procurada e pressionada imediatamente para evitar a transmissão da desconfiança para o mercado e para os consumidores. Desta vez, foi o contrário. Os “líderes” faziam questão de pintar o bicho mais feio do que era e assustavam até os editores mais cautelosos e experientes. O diálogo com o governo costumava ser mais eficaz. Se não fosse, as bancadas de deputados e senadores eram mobilizadas e cobradas.

É natural que as coisas mudem, evoluam, mesmo no conservador mundo dos negócios. Talvez estejamos assistindo morrer o velho. Se for o caso, convém fazer nascer o novo, o mais rápido possível. Dá pra pensar e dizer que até os trabalhadores torcem por essa recuperação de poder dos empresários que efetivamente arriscam, investem, produzem, geram empregos e pagam impostos.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.