Refundar a política brasileira

No dia 07 de abril passado, por ordem do presidente da Câmara Federal, o deputado Eduardo Cunha (PMDB – RJ), representantes de centrais sindicais de trabalhadores, contrários ao projeto 4330, que visa instituir a terceirização total das atividades meios e fins, foram impedidos, pelo uso da força policial, de entrar na casa do povo brasileiro. Dias depois, os mesmos representantes foram recebidos pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowiski, para tratarem do referido tema. Ao recebê-los o presidente afirmou: “Aqui vocês serão sempre bem-vindos. Vamos sempre garantir a presença de vocês em nosso plenário”. Ainda neste tempo recente, circula pelo Congresso uma proposta defendida pelo relator, deputado Marcelo Castro (PMDB – PI), de estender para 10 anos o mandato de um senador da República. E como se não bastasse, as vozes que pediram o impeachment da presidente Dilma Rousseff e estão procurando sangrá-la diuturnamente com o apoio da mídia global, são as mesmas que estão articulando a “Lei do Mais Rico”, uma proposta de emenda constitucional que visa gravar em nossa Constituição o famigerado financiamento empresarial de campanhas eleitorais, uma das raízes da promiscua relação entre poder econômico e poder político. Ou seja, querem legitimar constitucionalmente a corrupção eleitoral e política.

Em sua obra Os Donos do Poder, o pensador brasileiro Raymundo Faoro coloca em relevo duas categorias que podem trazer um pouco de luz aos fatos que estamos presenciando no cenário político nacional, para tentar entende-los melhor. Tratam-se do patrimonialismo e do estamento como estruturas de manutenção do poder, que estão no alicerce da nossa formação como nação.

O patrimonialismo brasileiro, nas suas relações de poder, o soberano e o súdito não se sentem vinculados à noção de relações contratuais que ditam limites ao príncipe: este se sobrepõe ao cidadão (consequentemente, à sociedade civil). Historicamente no Brasil ocorria que a camada economicamente dominante para dispor de poderes políticos e administrativos associava-se ao convívio fraternal e cordial com o rei e com ele estabeleciam negociações e entendimentos. Maquiavel já havia caracterizado dois tipos de principado: o feudal e o patrimonial, no qual neste último quem tem poder é a burocracia administrativa e política que para obterem privilégios formam uma rede na qual estão interligados para defender seus interesses e o do príncipe. Assim, o Estado transforma-se numa empresa do príncipe que como empresário audacioso intervém em tudo.

Por sua vez o estamento político constitui sempre uma comunidade: os seus membros pensam e agem conscientes de pertencer a um mesmo grupo, a um círculo elevado, “qualificado” para o exercício do poder. Esta situação estamental é a marca dos indivíduos que aspiram aos privilégios do grupo e ao status que irão desfrutar sobre toda a sociedade. O estamento é um grupo de membros cuja elevação se calca na desigualdade social, esforça-se pela conquista de vantagens materiais e espirituais exclusivas. O fechamento dessas comunidades leva-os à apropriação de oportunidades econômicas que se desembocam nos monopólios de atividades lucrativas (por exemplo, os meios de comunicação social no Brasil) e de cargos públicos. Portanto, não parece obra do acaso essas manobras que o conservadorismo político vem perpetrando no Brasil, principalmente nessa legislatura, pelo comando do presidente da Câmara Federal, representante maior do grupo estamental historicamente agarrado ao poder com unhas e dentes.

A quebra desse processo iniciou-se em 2002 com a eleição de um nordestino metalúrgico à presidência da República. Por sua origem popular e sindical, representava um ameaça às pretensões dos históricos donos do poder. Entretanto, a sua eleição não foi ainda suficiente para romper com essa estrutura de poder estamental construída ao longo dos séculos. Hannah Arendt lembra que o poder fundante de uma nação encontra-se no povo reunido capaz de definir e orientar a vida política daquela sociedade. Diante da péssima atmosfera política que respiramos na qual o sistema de partidos perdeu seu prestígio e a autoridade política não representa mais os anseios, necessidades, desejos e projetos dos cidadãos soberanos, entendemos que somente a convocação de uma assembleia constituinte para fins específicos de refundar o sistema político brasileiro, eleita soberana e livremente pelos cidadãos, reunirá condições de dar um novo rumo e uma nova autoridade à vida política de nosso país.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .