Não custa lembrar que o Banco Central do Brasil é o responsável pela gestão da dívida pública e para isso tem o maior orçamento da República, um orçamento sem teto, em termos práticos, pois ele fixa livremente as taxas de remuneração dos títulos do Tesouro a cada 45 dias na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), formado por seus diretores. Também o Banco Central centraliza a transação internacional com moeda estrangeira, atuando através dos bancos privados, e operando nas pontas de compra e venda das transações com dólar nos mercados à vista e futuros (swap, arbitragem, mercado a termo), com os custos dessas transações debitados na conta da dívida pública. Ainda cabe rememorar que o Depósito Compulsório foi no passado importante elemento do BC e do governo para a gestão do volume de crédito oferecido à economia. Traduzindo: do valor que os bancos privados recebiam de depósito de seus clientes, uma parte expressiva (algo em torno de 45%) era recolhido ao BC sem rendimento. Assim, não era bom negócio não emprestar. Só mais um aspecto sobre o sistema: aqui e ali, no mundo civilizado e desenvolvido, os bancos centrais são responsáveis também por resultados obtidos por seus países nos índices de desemprego e de crescimento do PIB. E não apenas pela taxa de inflação, como o Brasil de hoje. Consideremos apenas estes aspectos para formular, a título de contribuição ao debate, propostas para uma reforma bancária (registre-se, estas propostas ou parte delas não são novas):
- o custo da gestão da dívida pública deveria compor o orçamento anual com uma meta de desempenho apresentada e justificada ao Parlamento pelo próprio BC, que se obrigaria a prestar contas e entregar relatório trimestral ao Senado, e seu presidente teria que lá comparecer após a entrega do relatório para esclarecimentos (afinal esta é a maior conta do orçamento, uma conta aberta);
- a composição da diretoria do BC deveria ser exclusiva de funcionários de carreira do Banco, ficando livre para nomeação do Presidente da República apenas a Presidência, que teria mandato de quatro anos descasado com o do Presidente da República;
- deveriam compor os objetivos do Banco Central, além da estabilidade dos preços (inflação), a taxa de desemprego, o crescimento do PIB e a busca e manutenção da taxa de equilíbrio no câmbio (busca permanente da taxa que equilibra o balanço de pagamentos e não aquela que reflete o noticiário do dia);
- o depósito compulsório deveria ser retomado como ferramenta relevante de controle ou estímulo do volume e da qualidade do crédito, correlacionando o recolhimento com o volume total do crédito, o prazo médio dos empréstimos e outras variáveis importantes, para o que poderia ser decisivo que ele voltasse a não ser remunerado. Em suma: quanto menos o banco emprestar, menos ele se remunera.
Estas ideias são colocadas para debate ao lado de outras já defendidas neste Segunda Opinião, como a abertura do mercado à competição (com estímulos a essa competição) e a fixação mais moderada dos juros dos títulos da dívida pública. Importa dizer que estas proposições têm caráter estrutural e não estão condicionadas a circunstâncias, ou seja, elas se justificam acima e além do contexto atual de crise. São padrões mais modernos e eficazes em se tratando de gestão das finanças públicas, principalmente quando se trata da montanha de dinheiro que o BC manipula diariamente, várias vezes ao dia, num mercado em que não há nenhum ator ingênuo. A economia brasileira não pode prescindir de um sistema financeiro melhor regulado e que contribua com a fluidez dos negócios, ao invés de um sistema travado e centrado em seus próprios interesses.