O que querem os comandantes do Golpe?, por Alexandre Aragão de Albuquerque

Entramos no mês de abril com uma mudança de cenário no tabuleiro do xadrez da política nacional. Após a festa das ruas do mês de março, que no primeiro movimento do dia 13 parecia indicar a robustez do movimento golpista, capitaneado pela classe alta paulista, reduto dos comandantes do Golpe, o dia 18 veio apresentar uma forte e diversificada resposta, espalhada pelo Brasil afora, articulada por movimentos sociais e setores organizados da sociedade civil, a favor da democracia.

A partir daí sucedeu-se uma enxurrada de manifestações de entidades representativas da sociedade que vão desde juristas, passando por intelectuais e artistas, juventudes, além de trabalhadores e trabalhadoras rurais e urbanos, todos solidários à presidenta Dilma Roussef e ao mandato a ela conferido pela soberania popular nas eleições diretas de outubro de 2014. Acrescente-se a isso a produção de inúmeras reflexões e análises de estudiosos das questões brasileiras, publicadas nas redes sociais, juntamente com um grande número de entrevistas a especialistas no campo da sociologia, do direito, da economia e da ciência política.

Essas manifestações da sociedade civil, sejam nas ruas como nas mídias alternativas, vêm a contribuir de forma decisiva para o desvelamento da realidade há bem pouco tempo nebulosamente encoberta e dominada pelos donos do poder da comunicação nacional que a manipulava e editava conforme seus interesses privados de classe. Segundo a máxima de Roberto Marinho, fundador da Rede Globo, para ele “o importante em comunicação não é aquilo que você veicula, mas aquilo o que você omite à população”.

Assim, nessa disputa da narrativa sobre o momento histórico brasileiro, tanto as ruas reais quanto as cibernéticas têm jogado um papel fundamental ao não permitir o monopólio da palavra aos donos do poder, possibilitando à opinião pública produzir um discernimento mais acurado a respeito do jogo que está sendo jogado.

Hegel (e não Engels, como confundiram os desastrosos procuradores de São Paulo) observa que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. Marx atualiza esse pensamento hegeliano acrescentando que a primeira vez acontece como tragédia e a segunda como farsa: a tradição das gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E exemplifica que o principiante que aprende um novo idioma traduz sempre as palavras deste idioma para sua língua natal: somente quando puder manejá-lo sem apelar para o passado e esquecer a sua própria língua no emprego da nova, terá assimilado o espírito desta última e poderá produzir livremente nela.

Os últimos 12 anos de lulismo provocaram uma mudança de base na vida de setores da população brasileira. Ao adentrarem o mercado de consumo por meio dos programas e políticas públicas redistributivas implementadas nos governos Lula e Dilma (Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Fies, Prouni, Pronaf, Valorização do Salário Mínimo etc.), descobriram-se portadores de cidadania. Essa nova gramática permitiu-lhes produzir novas leituras sobre o presente e o futuro de suas vidas como sujeitos de direitos e de ação. Logicamente, esse confronto entre duas gramáticas – a oligárquica e a democrática popular – está provocando uma forte e desesperada reação dos setores conservadores que se sentem ameaçados em seus privilégios históricos. Afinal, quando a Senzala aprende a ler, a Casa Grande surta, como tivemos a oportunidade de assistir recentemente num discurso proferido por uma jurista na USP.

Mas o que pretendem os comandantes do Golpe?

O documento apresentado pelo paulista Michel Temer, presidente nacional licenciado do PMDB, denominado Ponte para o Futuro, é revelador do quanto a força do passado está presente nessa proposta, publicada no dia 27 de março pelo jornal Estado de S. Paulo. Entre elas destacamos o fim ou severa restrição aos subsídios da política industrial brasileira e de comércio exterior; o impedimento do uso do excesso do rendimento do FGTS como fonte para financiar o programa Minha Casa, Minha Vida, acarretando desemprego em massa na construção civil, onde muito menos pessoas teriam acesso ao programa; limitar o Pronatec; limitar as concessões de empréstimos pelo FIES; fim das vinculações de receitas no orçamento, afetando diretamente o financiamento da educação e da saúde; fim da CLT, permitindo que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais; aumento acentuado do superávit primário, ou seja, mega-arrocho fiscal. Ou seja, esse documento não passa de uma mera farsa, um retorno ao passado da concentração de renda pelos detentores do sistema financeiro e industrial paulista, não tem nada de futuro.

Acontece, porém, que a nova gramática democrática em gestação no Brasil, iniciada em 2003, ao permitir a entrada na cena pública de novos sujeitos sociais com suas novas leituras e visões sobre a realidade está indicando que não será tão fácil aos donos da Casa Grande articular seu golpe como já o fizeram no passado. Quiçá estejamos vivendo um momento de ruptura histórica fruto do nosso amadurecimento democrático, uma primavera.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .