O presidente global da CUFA, ex-lavador de carros, agora ativista social e produtor cultural Francisco José Pereira de Lima, o Preto Zezé é um menino padrão das criações das favelas do Brasil, principalmente do Nordeste: muito cedo tem que fazer uma escolha difícil, trabalhar ou estudar. Ainda assim, ele conseguiu um certo equilibrou entre ambos. Ainda criança, foi trabalhar nas ruas lavando carros, dos 11 aos 16 anos, até quando obteve seu primeiro emprego formal, no estacionamento da Assembleia Legislativa, fazendo o que já sabia, lavar carros (e teve o primeiro contato com o Rap e a militância política).
“Essa escolha de trabalhar cedo é um negócio muito forte porque as notas do boletim não impressionam tanto como as notas de dinheiro que você trazia para casa, do trabalho nas ruas. Eu consegui, com muito esforço, completar o primeiro e segundo grau. O doutorado adquiri na escola da vida”. Foi passando por diversos tipos de movimentos que Preto Zezé das Quadras chegou até a Central Única das Favelas (CUFA).
Nas Quadras, bairro onde nasceu e foi criado, Preto Zezé encontra o Hip Hop, “uma cultura que, apesar de ter criado a nossa expressão, era limitada no sentido de compreender a diversidade da favela, e eu queria mais do que os discursos de protesto e manifestações, eu queria a ação prática, a realização, e então veio a CUFA”, que incorporou o acumulo de formação e qualificando às intervenções e à agenda desenvolvida nos territórios das favelas.
Vale lembrar mais um pouquinho do protagonismo do menino cearense, compositor e escritor Preto Zezé das Quadras.
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Em que outra época gostaria de ter vivido: eu tenho saudade das décadas de 1960 e 1970, pela efervescência dos movimentos de Direitos Civis, sociais, dos musicais…. Quando vejo os filmes eu digo que gostaria de ter nascido nessa época.
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A palavra que eu mais gosto é POSITIVIDADE e a que menos gosto é CARÊNCIA. Quando ouço esta palavra, eu trato logo de desconstruí-la, porque muita gente tem mania de associar carência à favela, olha pra gente e fala “comunidade carente”, como se fossemos subpessoas, até nos diminui, como se a carência fosse um elemento exclusivo da favela, como se a carência não pertencesse a todas as classes. Não somos carentes, nós somos POTENTES.
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Um filme para ver de novo: O Shaolin do Sertão (risos) e também o Malcon X, filme norte-americano de 1992, biografia do ativista afro-americano Malcolm X (Al Hajj Malik Al-Shabazz, mais conhecido como Malcolm X, foi um dos maiores defensores do Nacionalismo Negro nos Estados Unidos; fundou a Organização para a Unidade Afro-Americana). Esse filme e Os Panteras Negras foram muito importantes na minha vida.
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Politicamente, eu sou um cara que acredita na vida e que sabe que precisamos lutar para salvar o planeta, valorizar a vivência coletiva e cuidar de nossas crianças.
- Quem você ressuscitaria: (Meu filho que se foi…) eu ressuscitaria Nina Simone.
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O livro que já li várias vezes: Falcão: Meninos do Tráfico e Falcão: Mulheres e o Tráfico (de Celson Athayde, Mv Bill, editora Objetiva) e Cabeça de Porco, lançado em 2005, também pela editora Objetiva, escrito por Celso Athayde, MV Bill e Luiz Eduardo Soares.
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Eu me acalmo quando chego em casa e abraço meu filho. E comer em silêncio e bem tranquilo.
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Eu me irrito com a violência contra as mulheres, e eu tenho visto muito isso ainda hoje, inclusive próximo, tenho dificuldades de vivenciar isso diariamente e não sei como lidar com tal violência.
- A emoção que me domina é a emoção que podemos proporcionar ao outro, a emoção nas pessoas. É nosso principal investimento fazer as pessoas se sentirem bem. Proporcionar bem-estar.
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Um dia ainda vou fazer muita coisa, ainda quero escrever mais livros, fazer filmes, construir um partido de preto e gente da favela… construir universidades paralelas, muita coisa ainda.
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Existem heróis? Qual o seu? Minha mãe é uma heroína imbatível.
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Religião para mim é quando as pessoas fortalecem umas às outras, colaboram, o amor ao próximo como princípio, sem pedir nada em troca. Dialogo e respeito as religiões, mas não sou discípulo de nenhuma.
- Dinheiro é algo que sem ele, quase nada acontece.
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A vida é um dia por vez.
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Se eu tivesse o poder, salvaria todas as crianças que estão em perigo, vítimas desse mundo louco.
- Eu gostaria de ser: nunca escolhi muita coisa para ser, as coisas vieram e aconteceram. Eu nunca sonhei chegar onde cheguei, eu espero na medida do possível ser um bom pai, um bom filho, um bom parceiro.
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Não perco uma oportunidade de criar oportunidades.
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A solidão e o silêncio: é algo de que precisamos, a solidão é positiva; e quando estou em silêncio, na verdade estou falando tão alto que ninguém nem imagina.
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O Brasil é um grande caldeirão de coisas bonitas e coisas feias, de igualdade e desigualdades e muita injustiça, é um misto disso tudo.
- O ser humano é mágico. Precisamos investir cada vez mais nas pessoas e nas relações humanas.
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Eu sou um sonhador, um operário da vida. Espero que, dentro do possível, façamos o bem para o próximo como se fosse para nós mesmos; espero que as favelas sejam protagonistas dos seus sonhos e escrevam seu próprio roteiro. Chega dessa história de ter sempre alguém para falar por nós, não somos coadjuvantes para outros decidirem nosso próprio destino.
“No Brasil, 99% da população assume que o Brasil é racista, mas ninguém assume que é racista. Um sistema desse é extremamente sofisticado, todo mundo sabe que é, mas ninguém pratica, e sabe como ele opera? Somos excluídos dos bancos das universidades, aumentam nosso número dentro das celas de penitenciaria, o sistema nos tira dos cargos de poder, diminui nossa visibilidade na mídia e aumenta nosso número dentro da parcela da pobreza. Só há bem pouco tempo, passamos a ter mais espaços nas universidades com sistemas de cotas, por exemplo, e vemos empregadas domésticas viajar de avião pela primeira vez, e isso incomodou muita gente.
Enquanto o Brasil não ficar cara a cara com o “Brasil Invisível” esse Brasil que ele exclui e discrimina, racial e socialmente o tempo inteiro, não haverá um País de igualdade, não haverá Brasil justo, não funcionará democracia, não haverá Brasil.
Em 2015 Preto Zezé contou que viveu momentos de emoções fortes, ele perdeu um filho, e logo em seguida, sua companheira descobriu que estava grávida de gêmeas. “Foi um período de altos e baixos e eu nunca falei sobre isso”, tive que viajar para assumir a CUFA Internacional, e sabendo da gravidez, lá comprei roupinhas, escolhemos nomes e na volta, minha companheira, em uma visita de rotina, descobriu que só teria um bebê, o coraçãozinho do outro tinha parado de bater. A notícia boa é que um dos bebês estava bem, saudável, e que seria um menino. E aí veio o José”.
Em 2015, Preto Zezé assumiu a presidência da CUFA Global, na sede das Organizações das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, nos Estados Unidos.
Na produção do livro e documentário de mesmo nome: Selva de Pedra – A Fortaleza Noiada, Preto Zezé trata da questão do crack no país. Com base nos relatos de pessoas envolvidas na realidade das drogas, o livro mostra aos leitores um panorama real do desenvolvimento e desdobramento da questão, que envolve tanto o usuário, quanto seu entorno. O processo de produção levou três anos, nos quais foram entrevistadas 200 pessoas de 70 comunidades.
A favela e a periferia são espaços de criatividade. Os lugares-comuns de marginalidade, exclusão e pobreza costumam ser romantizados pelo resto da sociedade. A favela e a periferia mostram toda sua potencialidade cultural ao reverterem esses julgamentos em produção de identidade própria, moda, discurso político e corporações para mudança social. Preto Zezé, sonhador operário da vida, espera que as favelas sejam protagonistas dos seus sonhos e escrevam seu próprio roteiro, “não somos carentes. NÓS SOMOS POTENTES”. Vai lá, menino, acelera e continua com sua positividade, tranquilidade e riqueza, especialmente da alma.
Heyde Leão
Entrevista impactante essa de Preto Zezé. Enfrentar todo o sistema com todas as suas contradições sociais e levar a experiência de vida para contribuir na mudança efetiva da sociedade é no mínimo, exemplar. E que coisa bacana o Segunda Opinião. Parabéns!
Heliana Querino
|AutorObrigada por nos prestigiar com seu comentário, Heyde Leão, e sim, a entrevista é como o próprio entrevistado, impactante!
Heliana Querino
|AutorObrigada, Carlos Vazconcelos, é uma honra saber que você é nosso leitor.
Carlos Vazconcelos
Que ideia legal, Heliane, o Segunda Opinião.