Há décadas vivemos o dilema da escala. Sentíamos que a sala de aula, a universidade e os grupos de extensão não tinham escala suficientemente grande e rápida para impactarmos a realidade. Fomos para as políticas públicas.
Queríamos (e queremos) alcançar 208 milhões de brasileiros. Para isso imaginamos uma arquitetura de capilaridade, com grupos de pesquisa-ação-participante articulados em diferentes níveis, territórios, municípios e bairros.
Imaginávamos que poucas centenas de coletivos territoriais alcançariam mobilizar e apoiar coletivos nos 5600 municípios, que formariam várias dezenas de educadores, lideranças e militantes ativos em cada bairro, escola, sindicato, fábrica, associação, grupo de hip-hop, igreja, e por aí vai.
É uma progressão factível, e não conseguimos ir a fundo na experiência. Fomos interrompidos antes de terminar por aqueles que não acreditam na inteligência do outro, na pesquisa-ação como método da teoria crítica e só entendem da colonização das mentes a partir de suas próprias.
Mesmo assim, acho que nossa estratégia era incompleta. Essa matemática cuja progressão só conta com a artesania do contato olho-no-olho, do bom debate e da argumentação, toma de goleada dos laboratórios de ideias, ou think tanks da direita que operam com mecanismos de redes sociais, indústria cultural, propaganda e treinamento político de lideranças.
MBL, Instituto Millenium, Instituto Liberal, Instituto Mises, Instituto Ordem Livre, Estudantes pela Liberdade, Dragão do Mar, Casa das Garças, além dos estrangeiros Cato, Atlas e Friedrich Nauman, tem sido muito mais eficazes em reeditar e alavancar ideias contra os direitos humanos, contra a proteção ao trabalho, contra a previdência, contra os partidos de esquerda e movimentos sociais, contra os impostos, contra a Venezuela e Cuba, contra os governos Lula-Dilma, contra as empresas brasileiras, contra os programas sociais, contra as políticas de cotas e a favor de pena de morte, redução do estado, armas, escola sem partido, privatizações, e até da desigualdade.
Os fascistas perderam a vergonha e até a defesa da importância da desigualdade como motor da economia tem reaparecido.
Existe nessa galera uma pegada que nosso DNA impede, que é da mentira, do uso da desinformação e da propaganda deslavada e alienante. Pegar a dor pujante de uma mãe que perdeu um filho para alavancar um “bandido bom é bandido morto” e usar essa dor para promover uma intervenção militar começando pelo Rio de Janeiro. Eles são ótimos em pegar sentimentos legítimos da compaixão brasileira e transformá-los em ódio e adesão a políticas antidemocráticas e genocidas. Eles fazem o mesmo com várias coisas, a lista é infinita. Usam novelas, revistas, programas de auditório, jornais, facebook, tweeter, blogs, youtube, filmes e outras mídias para fazer isso de modo sistemático. Produzem textos acadêmicos, editoriais, possuem seus intelectuais, seus linhas de frente, suas caras, seus artistas, suas celebridades e suas organizações (os “think tanks”) que formulam, orientam e apoiam a distribuição de todo este arsenal.
Outra “desvantagem” nossa, além de não praticarmos manipulação, é de ordem material. É óbvio que “think tanks” de direita encontram financiadores pra todo lado. Eles conseguem bancar tudo isto, manter gente inteligente por conta de produzir e disseminar ideias, premiam teses, oferecem bolsas de estudos e por aí vai.
No Brasil, o único “think tank” de esquerda que funciona é o CEBRAP, que tem dezenas de financiadores e se consagrou como centro de excelência acadêmica e mantém mais de 150 pesquisadores. Apesar de ser considerado como “think tank”, ele não se compara aos da direita em termos de estratégia comunicativa, alcance, agressividade, contundência.
Os “think tanks” ligados aos partidos de esquerda (suas fundações) mal funcionam para dentro dos partidos.
Acho que já fizemos alguns esforços na direção de criar “think tanks” ecossocialistas e do bem-viver, a RUPEA (rede universitária de programas de EA), o grupo de Pesquisa-Ação-Participante de especialistas que apoiava a proposta dos coletivos educadores e ajudou a montar a série“Encontros e Caminhos” (podendo focar no apoio aos territórios sustentáveis) e o coletivo “Ecossocialismo e bem-viver ou barbárie”. Todos estes grupos permanecem latentes, com muito mais força do que realizam.
Talvez esteja na hora de fazermos uma leitura de nossos caminhos, de nossos grupos e de nossos instrumentos, para montar uma estratégia para um “think tank” ecossocialista e de bem-viver, para disputar corações e mentes, não entre duas ideias, mas entre duas ontologias do ser, uma autônoma, feliz e esperançosa, e outra conduzida e cheia de raiva e medo entre as pessoas.
*Luiz Ferraro é pai, paulista radicado na Bahia, professor, engenheiro agrônomo, doutor pelo CDS/UnB