Escrito e dirigido por Jim Jarmusch, ‘Paterson’ (2016) é uma infinidade de coisas. Relato poético, quadro impressionista, cinema como sopro referencial. O longa é uma graciosa miscelânea que corresponde a uma cinematografia que se pensa expandidamente. E não limitada em seus fins, celebra o cinema como exercício da forma e do sentido, se potencializando através de um código intertextual e metalinguístico no momento em que dá a ver a grandiosidade contida na ação da vida cotidiana.
A singularidade desse trabalho é tão forte, que difícil fica restringi-lo a uma sinopse. Mas se tivéssemos de fazê-lo, poderíamos dizer que o longa acompanha o período de uma semana na vida pacata de Paterson, um motorista de ônibus cuja pequena cidade onde vive leva seu próprio nome. Mas essa, obviamente, é apenas uma pequena casca que reveste a obra em sua totalidade.
Na verdade, o filme suscita o importante ponto desse repensar nas formas de feituras das obras cinematográficas. Porque se tudo já está posto, só nos resta então procurar outros métodos de nos cativarmos por meio das estórias que contamos. E nesse caso, Jarmusch lança mão de alguns dispositivos que são bastante recorrentes. O uso de uma estrutura capitular nos 118 minutos de projeção é um dado disso. Sua utilização, entretanto, se potencializa a partir de outros recursos.
As inscrições dos poemas de Paterson que surgem grafados na tela são uma prova disso. E a intertextualidade entre a imagem em movimento que ganha potência através da palavra grafada não mais na folha do roteiro, mas agora ao écran que encontramos à frente. São os métodos alternados de apresentar a experiência fílmica a partir do que já está posto. E o que em determinado contexto e suporte é palavra, na projeção se faz linguagem.
Linguagem essa que atravessa o campo da técnica e aflora na produção de sentido em tudo o que o autor traz de mais sincero em seu olhar. Falamos em como uma narrativa calcada na experiência do cotidiano pode ser extremamente instigante.
Numa perspectiva do filme como um convite aos nossos olhos e mentes a uma experiência de contemplação e partilha do sensível. E é impressionante o que Jarmusch consegue fazer em relação a isso. Porque sua obra é de uma honestidade tamanha, que chega a nos estarrecer.
Impressionar-se, é claro, envolto no sempre positivo entendimento do quanto o cinema tem a nos ensinar acerca de nós mesmos e de como reagimos à experiência da vida. Ai, entramos em território movediço. Porque esse embrenhar-se na subjetividade evocada no processo artístico é sempre radical. E nesse caso, Jarmusch usa toda sua perícia para dar luz a esse ponto da realização que usualmente se faz complexo.
E talvez por isso mesmo ele lança mão dos afetos que nos atravessam e também perpassam sua obra enquanto realizador. São a forma delicada, equilibrada e sutil com que esses personagens lidam com as situações que lhe ocorrem. São os recortes do cotidiano que se desenham por meio das esquetes** de cada novo diálogo tecido no ônibus, em casa, na rua, ou no bar. É a fala. Nunca forçada, e sim precisa, nevrálgica, e quase cirúrgica. É o cinema executado e pensado na sua mais brilhante forma.
Por essas e tantas outras razões é que ‘Paterson’ surge como obra para a posteridade. Sua essência, mensagem e forma fundantes serão conservadas (pelo e) no tempo como um trabalho que está além da sua própria concepção. Ou seja, ela ultrapassa a discussão da técnica, por repensá-la desde o primeiro plano. E condensa o conteúdo exposto em torno da ideia da vida que vale a pena ser vivida sem soar em nenhum momento como um ato impositivo. Pelo contrário, nos convida em toda sua duração a entrarmos nela.
* *Esquete: do inglês sketch é um termo utilizado para se referir a pequenas peças ou cenas dramáticas, geralmente cômicas e com menos de dez minutos de duração
FICHA TÉCNICA
Título Original: Paterson
Tempo de Duração: 118 minutos
Ano de Lançamento (EUA/FRANÇA/ALEMANHA): 2016
Gênero: Drama, Comédia, Romance
Direção: Jim Jarmusch