Muito se fala sobre o Brasil beber da cultura estrangeira desde sempre. Talvez seja até bastante lógico pensar assim, visto que nosso jovem país, se comparado com o Velho Continente, Europa, ostenta pouco mais de meio milênio de vida. Naturalmente, nossa jovem cultura também iria beber da taça compartilhada dos processos civilizatórios que ocorreram desde então. Mas vamos cortar o papo chato-histórico para uma breve afirmação: o fato é que nossa cultura, claro, desenvolveu suas características originais com uma riqueza e originalidade notáveis, mas certamente também podemos dizer que boa parte dela e suas influências vieram de fora.
Seja em forma das mais diversas influências, o Brasil (não muito diferente de tantas outras nações mais “jovens”) seguiu os passos dos grandes mestres estrangeiros também na música. Quem teria sido Villa-Lobos sem Richard Wagner, Giacomo Puccini e tantos outros bastiões da música clássica do séc. XIX? O que seria, nas décadas seguintes, dos roqueiros brasileiros sem a ousadia das guitarras selvagens de Hendrix, sem a linguagem descolada de Van Halen ou mesmo o vozeirão e a atitude de Elvis e Janis?
Porém, há muitos casos em que o nosso senso comum de achar que “só o Brasil é influenciado” se inverte. Elimina-se, por um instante, até mesmo o tal complexo de vira-lata e a autocomiseração que já foram muito características de nossa forma de pensar. Dá-se lugar, com esta nova atitude, à beleza e inspiração que nossas belas terras, nosso povo, nossa língua e a riquíssima MPB leva a compositores estrangeiros. E já que falamos no parágrafo anterior sobre guitarra e Brasil, chegou a hora de falar de um guitarrista norte-americano que é tão (ou mais!) latino quanto você e eu.
Al Di Meola nasceu em Jersey City (Nova Jersey) em 22 de julho de 1954. Tão cedo se interessou pela música, foi estudar na renomada Berklee School Of Music, em Boston. Antes mesmo dos 20 anos – e ainda como aluno desta, destacou-se por sua primazia técnica e musicalidade sendo chamado a tocar na banda Return To Forever, um supergrupo de virtuosos do jazz-rock setentista que fez muito sucesso. O conjunto era capitaneado por nada menos que o grande Chick Corea (virtuoso pianista de jazz), juntamente com o baixista Stanley Clarke e o baterista Lenny White. A ideia da Return To Forever era ser algo realmente inovador, virtuoso, ousado ao extremo – pois conseguir tocar música instrumental para 20 mil pessoas sem um vocalista era algo inimaginável para a indústria do showbizz à época. Deu muito certo. Abriram shows para David Bowie, Fleetwood Mac e outros grandes da época. Al foi catapultado ao sucesso, e mesmo depois do supergrupo se dissolver, o guitarrista continuou escrevendo seu nome na história das seis cordas.
Conheci o trabalho do Al através de uma antiga coleção de livretos sobre jazz comercializada pela Folha de S. Paulo. Era fácil encontrar em livrarias e isso coincidiu justamente com o tempo em que comecei a me tornar “o louco dos CDs”, dando início à minha preciosa coleção. E um simpático mimo material nesta dita coleção também me ajudou ainda mais a comprar várias edições: os CDs que acompanhavam o livreto – com a história de cada artista – foram prensados em material muito semelhante ao vinil, o que dava um visual bastante agradável – além de uma certa lisonja e um toque de mais ciúme ainda – a colecionadores apaixonados como eu!
Voltando ao Al, após sair da Return To Forever, o guitarrista prodígio da época lançou álbuns marcantes como Land Of The Midnight Sun, Elegant Gypsy e Casino, os primeiros três de sua carreira. Dali em diante, Al chegou a lançar 8 álbuns em 9 anos, com um apetite voraz por mostrar sua técnica. Mas tão logo sua iniciante carreira solo decolou, vieram as críticas: muitos diziam que Al não tinha alma (com o perdão do trocadilho) e só deslumbrava seus ouvintes com velocidade e técnica. Ele sentiu, assim, que precisava se reinventar. Isso foi algo muito benéfico e em parte foi fruto de sua juventude: ainda novo, ele começara a aprender música num acordeon. Tal conflito entre querer ritmos mais “excêntricos” e também a ferocidade da guitarra rock foi essencial para que ele rememorasse todo o sentimento de renovação a partir daquele turning point em sua promissora carreira. Encontrou a saída deixando um pouco a guitarra elétrica de lado e focando-se em seu violão juntamente com outros dois violonistas de peso: John McLaughlin e o saudoso Paco De Lucia, formando o mundialmente famoso Guitar Trio. A parceria deu muito certo, e os três ganharam notoriedade com este projeto. Veja neste vídeo o lendário encontro do trio.
Mas Al queria mais. Tanto as críticas quanto razões comerciais o levaram a repensar seu estilo fusion-técnico-progressivo, e foi justamente após o Guitar Trio e pelo final da década de 70 (com seus experimentalismos já escassos) que surgiu sua “fase brasileira”: Cielo e Terra, de 1985, traz a parceria do guitarrista com Airto Moreira, renomado percussionista brasileiro, com composições claramente influenciadas pela nossa MPB e com uma pegada que equilibrava bem mais a técnica e o sentimento nas seis cordas. Em discos posteriores, como o excelente Tirami Su (1987), destaca-se a parceria com os cantores brasileiros Zé Renato (do grupo Boca Livre) e Clara Sandroni, cuja voz ele ouviu em um disco do Milton Nascimento (de quem sempre foi fã declarado) e se encantou completamente.
E a “paixão latina” de Al não parou por aí: na década de 90, sua aventura foi flertar com a música argentina. Influenciado pela composição e estilo de Astor Piazzolla (mestre do chamado “novo tango”), o disco World Sinfonia (1990) trouxe justamente a pegada world music e acústica que marcaria bastante o trabalho do guitarrista até hoje. Bem, tem coisas que só dá pra explicar mostrando: veja performances arrasadoras de Al em carreira solo, como a arrasadora “Song To The Pharaoh Kings” (vídeo em duas partes) no festival de jazz de Montreaux em 1988 e ainda com a Return To Forever, nos idos de 1976.
Al Di Meola é um guitarrista cosmopolita, completo, virtuoso e com uma bagagem musical que merece a sua atenção. Quem gosta de boa música e não se limita apenas a um gênero (rock) quando se fala a palavra “guitarra”, pode ouvir sem medo e apreciar seu trabalho. Seja na guitarra elétrica ou no violão, suas composições passeiam pelo jazz, fusion, música latina em uma miríade de beleza sonora admirável. Vale até pela curiosidade, em ouvir um artista estrangeiro tocando um som tão nosso e com uma brasilidade que às vezes nem um músico brasileiro possui. Hoje, Al continua compondo, mantendo um bom ritmo de lançamentos de álbuns nos anos 1990 e 2000. Inclusive, em 2013, gravou um álbum totalmente dedicado à música dos Beatles, intitulado All Your Life. Atualmente, está em turnê comemorativa dos 40 anos de seu clássico álbum Elegant Gypsy. Torçamos para que sua paixão latina finalmente se encontre outra vez com o Brasil, pois ao que me consta a última passagem do guitarrista por aqui foi ainda em 2001.
Fontes:
CALADO, Carlos. Al Di Meola (Coleção Folha: clássicos do jazz, v. 18) ISBN 978-85-99896-14-3. Acompanhado de CD em bolso. Rio de Janeiro: MEDIAfashion, 2007, 64p.
http://whiplash.net/materias/biografias/251505-aldimeola.html
http://dicionariompb.com.br/clara-sandroni/dados-artisticos
http://www.zerenato.com.br/blog/2012/05/aventuras-com-pat-metheny-e-al-di-meola/
Fotos retiradas da internet – Google Imagens