Os remédios pela hora da morte, por Riad Younes

Como diria Mino Carta, nosso querido diretor de redação, até o mundo mineral já percebeu que o custo da saúde da população está se tornando praticamente insustentável. No Brasil e fora dele. Os medicamentos novos, cada vez mais eficazes e complexos, custam, literalmente, os olhos da cara.

Acabamos de ver publicados no maior congresso médico de oncologia do mundo, ASCO, em Chicago, resultados de estudos altamente promissores no tratamento de câncer. Drogas novas com mecanismos de ação pioneiros, atividade contra os tumores espantosamente mais eficaz, e com índices de complicações e de efeitos colaterais baixos, toleráveis e até desprezíveis em alguns casos.

O problema reside agora em pagar a conta. A maioria desses medicamentos de quimioterapia lançados nos últimos anos custa entre 10 mil e 50 mil reais por mês. Obviamente, muito além do que seres humanos normais poderiam arcar de seu próprio bolso.

O Ministério da Saúde, convênios médicos e pacientes com seus familiares estão alarmados com a fatura dessa modernidade. Acaba de ser publicado um editorial muito interessante na prestigiosa revista científica New England Journal of Medicine, abordando exatamente esse problema, nos Estados Unidos, onde a disponibilidade de dinheiro no orçamento é muitas vezes maior do que no Brasil. A preocupação dos cientistas americanos é semelhante à nossa e as dificuldades de fechar a conta são parecidas.

A primeira parte do artigo descreve a tragédia anunciada da sobrecarga dos gastos com medicamentos no Orçamento dos EUA. A discussão mais interessante do artigo foi dirigida para as ações possíveis que o governo americano e as agências reguladoras poderiam tomar para controlar essa escalada estratosférica dos custos da medicina.

Recentemente, foram instaladas táticas novas para limitar o acesso dos pacientes às drogas de elevado custo. Por exemplo, o sistema de saúde chamado Medicare só libera o uso de um novo remédio (sofosbuvir) contra hepatite C a pacientes com significativo e documentado dano do fígado. Mas vários processos estão sendo movidos contra as restrições do Medicare por discriminação.

Alguns estados criaram órgãos semelhantes ao NICE inglês, comissão que analisa as evidências para o melhor tratamento dos pacientes, incluindo avaliação de custo-benefício*. Porém, de acordo como o doutor Ameet Sarpatwari, da Universidade Harvard, em Boston, autor do editorial do New England Journal of Medicine, muito mais terá de ser feito para evitar um colapso. Sarpatwari recomenda avaliar se a total transparência por parte da indústria farmacêutica poderia ajudar a reduzir a curva ascendente do gasto com saúde.

A justificativa dos fabricantes é que eles incluem nos preços dos medicamentos não somente o custo da pesquisa, do desenvolvimento e da produção de uma determinada droga, mas também os custos de todas as pesquisas prévias que não foram bem-sucedidas até encontrarem o remédio eficaz.

O estado da Califórnia está tentando atualmente exigir da indústria farmacêutica dados e detalhes sobre esses custos “colaterais”, para avaliar quanto deveria realmente ser embutido no preço final do medicamento.

Os legisladores argumentam que, hoje, somente 15% do orçamento das indústrias é destinado à pesquisa, uma fração do que gastam com propaganda e marketing.

O doutor Sarpatwari ainda sugere que se criem mecanismos para se avaliar, de forma justa, quanto deveria ser o preço de venda de um produto, levando em consideração o incremento do benefício, quando comparado com outro medicamento corriqueiro igualmente eficaz.

Recomenda, enfaticamente, que esse tema seja debatido intensamente em todas as esferas da saúde pública, e o quanto antes. O descontrole e o descaso podem ter um preço insuportável para a sociedade.

 

Riad Younes, Médico, diretor clínio do Hospital Sírio-Libanês e professor da Faculdade de Medicina da USP. Texto originalmente publicada em www.cartacapital.com.br

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