Um presídio com a história do Brasil

“A Penitenciária Madre Pelletier, de Porto Alegre, foi a primeira penitenciária feminina do Brasil. O dado curioso não é este, mas sim que ela foi fundada apenas em 1937, e não pelo Estado, mas por freiras da Igreja Católica. Até então, mulheres condenadas do Brasil inteiro cumpriam pena em cadeias mistas, onde frequentemente dividiam celas com homens, eram estupradas pelos detentos e forçadas à prostituição para sobreviver. Depois de muitas denúncias e discussões de penitenciaristas, o Brasil, tardiamente, passou a construir presídios apenas para mulheres, começando pelo Rio Grande do Sul e espalhando-se pelo resto do país.

Era uma casa destinada a criminosas, mas também a prostitutas, moradoras de rua e mulheres “desajustadas”. E “desajustadas”, naquela época, podia significar uma série de coisas muito distantes do desajuste. Eram mandadas para lá, por exemplo, mulheres “metidas a ter opinião”, moças que se recusavam a casar com os pretendentes escolhidos pelos pais ou até “encalhadas” que, por falta de destreza nas tarefas do lar, tinham dificuldades em arrumar marido.

— Era um processo de “domesticação”. Eram mulheres que não cometiam crimes necessariamente, mas que deixavam maridos ou eram rejeitadas pela família — conta Maria José Diniz, assessora de Direitos Humanos da Secretaria de Segurança Pública do governo do Rio Grande do Sul. — Lá, as ensinavam a bordar, cozinhar e depois as mandavam de volta para a sociedade, para arrumar um bom partido para casar.

Durante a ditadura militar, em um pavilhão com quatro celas ao fundo da penitenciária, oculto por um matagal e uma gruta de Nossa Senhora de Fátima, esconderam presas políticas, que eram continuamente torturadas. O fato só foi descoberto em 2012, pelo Comitê de Memória e Verdade do Rio Grande do Sul, que coletou uma série de depoimentos e documentos.

— O Madre Pelletier era uma prisão, mas também um espaço de tortura — diz Ariane Leitão, uma das fundadoras do comitê e então secretária de Políticas para as Mulheres do Rio Grande do Sul. A população gaúcha não sabia, tinha em sua cabeça que tortura só ocorria no Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e em uma ou outra casa. Ninguém lembrava que havia mulheres presas e torturadas. Eram invisíveis. Só em 1981 as irmãs deixaram a administração do presídio para o Estado. Com o passar dos anos, a antiga ala destinada à tortura foi convertida em um centro de brigadistas.”

(Trechos do livro Presos que menstruam de Nana Queiroz; Record, 2015).

Thinally Ribeiro

Graduanda em Serviço Social na UECE.

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Thinally Ribeiro

Graduanda em Serviço Social na UECE.