A crise brasileira, uma transição política importante, é típica de uma construção da ética liberal de um Estado laico. Sua essência é a necessidade de controle externo permanente, eliminando a impunidade. Essa crise não se resolve com passos de mágicas e nem com fórmulas mirabolantes que o movimento da reforma política possa alcançar. É um preço que nossa geração paga pelo Brasil moderno. Não é abandonar a ideia de uma reforma, mas avaliar quais das sugestões apresentadas realmente apontam na direção do aumento da representação política e da consolidação de uma ética.
A complexidade está em que nossa transição não é apenas social e econômica, mas chega à política e esbarra com a problemática cultural. Essa complexidade já passou pela Europa, no final do século XIX, e Emile Durkheim observou, naquele momento, que, se as mudanças tecnológicas eram facilmente assimiladas por todas as gerações vivas, as mudanças culturais eram mais lentas, sobretudo naquelas pessoas que já possuíam valores consolidados e resistiam a novos valores envolvidos. Ele chamou essa defasagem cultural e suas consequências de Anomia. E o preço pago também foi alto. O alemão Erich Fromm, psicanalista freudiano e marxista destacado, chegou a observar, na época, que a maioria de seus pacientes apresentava crise de identidade ao se depararem com esta realidade.
A crise brasileira, na sua complexidade, passa, sem dúvida, pela educação, onde os valores de cidadania serão discutidos e consolidados dentro dessa nova diversidade, que não é apenas de classes, fortalecendo o republicanismo e passa também pelo relacionamento entre os poderes constituídos para que esta cidadania sinta-se legitimada na sua liberdade.
Assim, não considero relevante, no momento, para a resolução desta crise, o retorno do debate entre parlamentarismo ou presidencialismo. Se não é importante para esse momento, contudo, ele poderá ser importante para discutir a consolidação democrática. Se o parlamentarismo tem mais recursos para crises, onde o Congresso pode considerar o governo incapaz ou o presidente pode convocar nova eleição, o parlamentarismo no Brasil, nas condições atuais, terá o mesmo dilema que o presidencialismo de coalizão: ter partidos políticos articulados com a sociedade civil.
A dinâmica da consolidação de nossa democracia já estabeleceu controles no poder executivo e no judiciário, fortalecendo nossa soberania popular. A Lei de Responsabilidade fiscal, por exemplo, faz com que diminua cada vez mais a cultura patrimonialista. Para o Judiciário, a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já começa a produzir efeitos éticos no controle externo do Judiciário. E o parlamento brasileiro veio a perceber a importância do partido recentemente, quando o Judiciário interpretou e regulamentou o partido como o verdadeiro dono do mandato.
O parlamentarismo só terá possibilidades de dar crédito às suas ações se os partidos políticos forem realmente articulados com a sociedade civil. O mesmo acontece com o atual Presidencialismo de Coalizão. Portanto, os dois principais “busilis” de nossa governabilidade podem ser resumidos entre a representação e o novo federalismo. Os partidos políticos estão relacionados com toda essa problemática. Temos o Senado, que representa os Estados da Federação e a maioria ainda em desenvolvimento econômico favorece dois partidos competitivos. Temos a Assembleia que fortalece partidos vindo da sociedade civil vindos sobretudo de Estados que mais se desenvolvem economicamente. Assim, nosso modelo difere dos Estados Unidos, que fortaleceu a representação dos Estados, e a Europa, que fortaleceu os partidos da sociedade civil. Nosso modelo é mais complexo, mas nem por isso menos democrático. Pelo contrário.
Essa geração que paga um preço da realização do sonho de um Brasil Moderno precisa refletir o pacto civilizatório que a sociedade brasileira comporta. Este sonho foi compartilhado por weberianos, como as análises de Sérgio Buarque de Holanda, de Raymundo Faoro e de Simon Schwrtman, também por marxistas, como os intelectuais do Partido Comunista que seguiam orientação de Lenine sobre Revolução Burguesa. Mas outros grandes intelectuais debateram, como Florestan Fernandes, Fernando Henrique, Bressa Pereira e muitos outros. Nosso desafio continua nessa transformação de nossa democracia delegativa em representativa, como diagnosticou Guilermo O’Donnell.
Voto distrital puro é retorno à democracia delegativa, ao voto por santidade do candidato, é, pois, retrocesso. Continuaremos o debate, pois vamos em frente com nosso pacto civilizatório!