Os ovos da serpente, por Horácio Frota

No dia 17 de abril, o Brasil assistiu – e o mundo testemunhou – um espetáculo digno de “circo dos horrores”.  Nas suas casas – ou nas ruas – homens e mulheres viram com espanto, eufóricos, envergonhados ou revoltados, o funcionamento de um tribunal de exceção: um julgamento com resultado anunciado.
O GOLPE estava sendo televisionado… A Constituição estava sendo rasgada despudoradamente e uma inocente condenada. O veredito de culpada não era pelo “crime” que estava sendo acusada, até porque não tinha como ser feito, mas pelos seus acertos: dividir rendas e procurar incluir uma população que sempre esteve a margem de todos os benefícios sociais.
As justificativas de votos indicavam a motivação de tal espetáculo: receber movimentos sociais no Palácio da Alvorada; gastar muito com benefícios sociais; estimular “uma ideologia de gênero”; querer ensinar “educação sexual as crianças”; fazer filantropia com dinheiro público; defender a família e tantas outras manifestações que confirmavam uma verdade   facilmente comprovável: a elite brasileira não perdoou a entrada dos filhos do povo nas Universidades Públicas, a empregada doméstica ser portadora de direitos trabalhistas; o pobre ocupar os aeroportos e o trabalhador não se sujeitar a um salário de miséria.
Os valores éticos estavam sendo revogados e, novos valores, aplaudidos em “cena aberta”: as manifestações da traição e corrupção. Parecia ser um grande final para uma peça no qual tinha havido “delação premiada seletiva”, conspiração dirigida por um vice-presidente da República, negação do juramento feito no Ato de Posse da legislatura federal; compra de votos e promessas no Palácio Jaburú. O padrão global tinha cuidado até de garantir um elemento cênico que bem representava um Brasil dividido: um muro separando brasileiros – os que tinham “ direito a reivindicar” afastado dos que apoiavam o desmando do governo, portanto sem a qualidade esperada pelos seus organizadores e não escolhidos para divulgação midiática.
O desejo de combater a corrupção estava negado quando o tribunal tinha na presidência um réu que está sendo processado na Suprema Corte do País por todos os crimes que não puderam ser imputados a Presidenta da República; ou quando a mesma Presidenta teve sua denúncia relatada por uma Comissão na qual dos 38 Deputados que votaram pela admissibilidade, 21 estão com ocorrência na justiça.
O clima de ódio, próprio do fascismo, engrossava o caldo da intolerância política. A raiva mostrada ao vivo contra as minorias teve sua culminância na afronta a todos que lutaram, sofreram e morreram pela democracia no Brasil. O deputado Bolsonaro ao dedicar seu voto ao torturador da Presidenta Dilma, ultrapassava todos os limites da convivência democrática. Ao dizer que estava votando “ pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”, homenageava o lado mais assassino e cruel da ditadura militar.  Ao homenagear um assassino que foi reconhecido pela Justiça como torturador responsável por 502 desaparecimentos e 47 sequestros e assassinatos, cometeu o crime de fazer apologia à ditadura militar.
No País três dispositivos abrangem essa questão, como afirma a nota de repúdio da Comissão de Direitos Humanos e Defesa das Minoria da Câmara dos Deputados: o Artigo 5º da Constituição (cujo inciso XLIV estabelece que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”); a Lei de Segurança Nacional (conforme Artigo 22, I – Fazer, em público, propaganda: I – de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social; e Artigo 23 – Incitar: I – a subversão da ordem política ou social; II – a animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis); e o Artigo 286 (Incitar, publicamente, a prática de crime) e Artigo 287 (Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime) do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940).
O dia seguinte foi o momento de lamber as feridas, mas acabou, agora chegou o momento de o movimento social levantar a cabeça e cantar: amanhã será um novo dia! O movimento popular, como o povo diz em Pernambuco, é igual a “soca de cana”: quanto mais se corta, mais nasce.
Chegou o momento de unir forças, superar divergências e não permitir que direitos conquistados sejam ameaçados por um governo ilegítimo. A democracia, o Estado de Direito, os princípios Republicanos e a superação da profunda desigualdade social no País terão que ser reconquistados na luta política em todas as frentes: no Congresso; nos Tribunais e, principalmente, nas ruas e praças de todo o Brasil.
O pensamento democrático foi violentado e necessita ser reabilitado. A esquerda tem que levar em conta um processo que está presente em todo o mundo ocidental que é a chamada crise da representatividade. As velhas formas de participação já não atendem aos interesses da juventude e de grande parte da população, estando, portanto, a desafiar novas práticas dos partidos e movimentos sociais. O Partido dos Trabalhadores, querendo ser protagonista de um novo momento, também terá um grande desafio: necessita ser reinventado, como diz Boaventura dos Santos.
Os avanços das posições conservadoras estão a exigir que tudo seja encaminhado de forma simultânea. Ao mesmo tempo que a luta tenha que ser travada com as condições do momento, as mudanças que implicam em recuperação de um terreno perdido estão a exigir urgência, capacidade crítica e autocritica. Os interesses individuais e partidários   não podem se sobrepor aos grandes desafios do momento.

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Horácio Frota

Dr. em Sociologia pela Universidade de Salamanca – Espanha, Professor da UECE, Coordenador do Mestrado Profissional em Planejamento Publico e Coordenador do Núcleo de Pesquisas Sociais – NUPES.

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Horácio Frota

Dr. em Sociologia pela Universidade de Salamanca – Espanha, Professor da UECE, Coordenador do Mestrado Profissional em Planejamento Publico e Coordenador do Núcleo de Pesquisas Sociais – NUPES.