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O relógio e seu impacto

O que o mapa fez com o espaço – traduzir um fenômeno natural em uma conceitualização artificial e intelectual daquele fenômeno –, outra tecnologia, o relógio mecânico, fez com o tempo.  Durante a maior parte da história humana, as pessoas experimentaram o tempo como um fluxo contínuo, cíclico. Na medida em que aquele tempo era “marcado”, a marcação era realizada por instrumentos que enfatizavam seu processo natural: relógios de sol nos quais as sombras giravam, ampulhetas nas quais a areia caía, clepsidras nas quais a água escorria. Não havia uma necessidade particular de medir o tempo com precisão ou dividir um dia em pequenos pedaços. Para a maioria das pessoas, as estrelas forneciam os únicos relógios dos quais precisavam. A vida era, nas palavras do medievalista francês Jacques Le Goff, “dominada por ritmos agrários, livre de pressa, sem preocupação com a exatidão, sem interesse na produtividade”.

 

Isso começou a mudar na segunda metade da Idade Média. As primeiras pessoas a exigirem uma mensuração mais precisa do tempo foram os monges cristãos, cujas vidas revolviam em torno de uma rigorosa programação de orações. No século VI, São Bento ordenou que seus seguidores observassem sete serviços de oração em tempos especificados durante o dia. Seiscentos anos mais tarde, os cistercienses deram uma nova ênfase à pontualidade, dividindo o dia segundo uma sequência estrita de atividades e vendo qualquer atraso ou desperdício de tempo como uma afronta a Deus…O desejo de uma matcação do tempo acurada se espalhou para fora do monastério. As cortes dos reis e dos príncipes da Europa, transbordando com riquezas e apreciando os últimos e mais engenhosos dispositivos, começaram a cobiçar relógios e a investir no seu desenvolvimento e manufatura. À medida em que as pessoas se deslocavam dos campos para as cidades e começavam a trabalhar nos mercados, moinhos e fábricas em vez de na terra, seus dias passsaram a ser retalhados em segmentos cada vez mais finamente fatiados, cada um anunciado pelo repicar de um sino…sinos anunciavam o início do trabalho, os intervalos das refeições, o fechamento dos portões, a abertura do mercado, o encerramento do mercado, reuniões, emergências, assembleias municipais, o final do serviço de bebidas, a hora da limpeza das ruas, toques de recolher, e assim por diante, com uma extraordinária variedade de repiques especiais em cada vila ou cidade.

 

A necessidade de um maior rigor da programação e da sincronização no trabalho, transporte, devoção e mesmo lazer forneceu o impulso para um rápido progresso da tecnologia do relógio. Não era mais suficiente que cada vila ou paróquia seguisse o seu próprio relógio. Agora, o tempo teria que ser o mesmo em toda parte – senão o comércio e a indústria seriam prejudicados…

 

(Trecho do livro A Geração Superficial, de Nicholas Carr, Editora Agir, 2011).

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.