O que significa construir o pós-Lula (Parte 3), por Uribam Xavier

O Lulismo, contudo, foi uma renovação do projeto de expansão do capital, conduzida por parte dos partidos de esquerdas em aliança com a direita. Tratou-se, na minha concepção, de um modelo moderno-colonial, cuja lógica econômica estava na premissa de que as nossas riquezas matériais, nossas matérias primas, nossos bens naturais, as novas formas de energia, nossa biodiversidade, o fruto da classe trabalhadora, na sua forma primária, deveria fluir no sentido e direção da geografia do sul/moderno-colonial, para isso era preciso afirmar o processo civilizador burguês, branco, patriarcal e machista, deixando de lado, mesmo que de forma envergonhada, os povos indígenas, os negros, os quilombolas, os povos das florestas, os moradores de rua e os que afirmavam outras orientações sexuais.

Por ser um modelo moderno-colonial, o Lulismo comportou uma Carta ao Povo Brasileiro, antes mesmo de chegar ao poder, sinalizando uma aliança com o setor financeiro; comportou uma política de alianças com os setores conservadores e atuais golpistas, os quais parte deles havia sustentado e apoiado a Ditadura Militar de 64. Explica, já no governo, a aprovação da Lei dos Transgênicos; a política de Minas e Energia numa lógica predadora e voltada para entrega das nossas riquezas naturais ao capital internacional, cuja construção da Hidrelétrica de Belo Monte e outras já privatizadas; explica a ausência de uma política de reforma agrária e o total apoio ao agronegócio [ruralistas]; a entrega da Comissão de Direitos Humanos aos pastores gerando um avanço conservador contra as políticas de Direitos Humanos e a homofobica “Lei da Cura Gay”; explica as duas mini-reformas trabalhistas e algumas medidas neoliberais; explica a subserviência diante da FIFA para realizar a Copa do Mundo de 2014 no Brasil; explica, e muito mais, o envolvimento no Mensalão e na Operação Lava-Jato.

A modernidade é inseparável da colonialidade de poder, e o neodesenvolvimentismo ou lulismo foi uma forma de suprir a expansão do capital internacional e nacional por meio da reprimarização de nossa economia, num momento em que a China demandava de forma avassaladora as riquezas naturais do nosso continente para disputar com os Estados Unidos a liderança imperial do mundo. Ao aderir a uma política de pensamento único ou condição de mero administrador menor do capital, renunciando ao combate ao capitalismo, o lulismo se reduziu ao horizonte da colonialidade do poder, entrou nos marcos do pensamento moderno-colonizador abrindo nossas veias para que nossas riquezas escorressem na direção do sul.

Quando os efeitos da crise de 2008 já não era mais uma “ marolinha”, o lulismo mostrou-se incapaz de manter a política de conciliação de classes, como um Prometeu acorrentado aos aliados [ políticos conservadores e o capital ] viu suas vísceras sendo comidas, pediu piedade ao capital, dizia “ eu me tornei um de vocês, porque fazem isso comigo?” , olhava para os que foram por ele abandonados, mas já não tinha o que dizer, não tinham o que propor, sinalizou para o capital que implantaria a mais cruel política de ajuste neoliberal, que, durante a acirrada campanha eleitoral de 2014, havia dito que não faria “ nem que a vaca turca”. Todavia, para o capital tudo é descartável, até os serviçais. O lulismo não tinha mais o poder de governabilidade, pois seus aliados, agora, haviam, nos descuidos políticos do PT, isolado os petistas e chegaram ao governo por meio do golpe prometendo ao capital a governabilidade necessária para aplicar o ajustes neoliberal mais perverso proposto até o momento ao país. Não tendo mais condições de oferecer pão e circo [política de conciliação de classes] o capital trocou o palhaço alegre [PT / Lulismo] pelo palhaço triste [ Temer/PMDB/PSDB].

O que se discute no Brasil pós-golpe não é a busca de um modelo de justiça social ou um conjunto de reformas que desconcentre renda e riquezas, não se discute o desmantelamento do sistema capitalista. A classe política, feito formigueiro assanhado, vem gastado suas energias para extorquir os trabalhadores por meio de reformas perversas que tiram direitos, desvaloriza o valor do trabalho e aumentar as formas de exploração social, gastam seu tempo arquitetando mecanismos para se livrar de possíveis punições que possam advir das investigações da Operação Lava-Jato. Até o momento, todos os acusados em envolvimento em esquema de corrupção, se comportam da mesma maneira: declaram-se inocentes, vítimas de calunias e perseguições. Alguns se dizem até serenos e diante de uma oportunidade para provar que são inocentes.

No atual cenário uma possível proposta, para ajudar o país, a ter legitimidade e credibilidade política para seguir de forma menos prejudicial a nossa vida política, seria a imediata renuncia de todos os mandatos seguida de eleições gerais para presidente, senadores e deputados federais. Todavia, o que os partidos estão sinalizando é com a antecipação do debate sobre as eleições de 2018, com o objetivo de antecipar uma nova recomposição de alianças das forças políticas dando continuidade a luta do poder partidário e das personalidades pelo poder desprovido de um projeto político para o país, ou seja, afirmado, na ausência de projeto, a naturalização do pensamento único. Trata-se da privatização da política, da morte da democracia e do jogo político como um simulacro fundamentado num moralismo conservador e na defesa de projetos que ameaçam direitos já conquistados pelos trabalhadores.

Uribam Xavier

URIBAM XAVIER. Sou filho de pai negro e mãe descendente de indígenas da etnia Tremembé, que habitam o litoral cearense. Sou um corpo-político negro-indígena urbanizado. Gosto de café com tapioca, cuscuz, manga, peixe, frutos do mar, verduras, música, de dormir e se balançar em rede. Frequento os bares do entorno da Igreja de Santa Luzia e do Bairro Benfica, gosto de andar a pé pelo Bairro de Fátima (Fortaleza). Escrevo para puxar conversa e fazer arenga política.

Mais do autor

Uribam Xavier

URIBAM XAVIER. Sou filho de pai negro e mãe descendente de indígenas da etnia Tremembé, que habitam o litoral cearense. Sou um corpo-político negro-indígena urbanizado. Gosto de café com tapioca, cuscuz, manga, peixe, frutos do mar, verduras, música, de dormir e se balançar em rede. Frequento os bares do entorno da Igreja de Santa Luzia e do Bairro Benfica, gosto de andar a pé pelo Bairro de Fátima (Fortaleza). Escrevo para puxar conversa e fazer arenga política.