Ciro Gomes, provável candidato do PDT à presidência da República em eleições diretas, põe o dedo na ferida: o Brasil gasta com o serviço da dívida interna mais ou menos a metade de toda a arrecadação anual de impostos e taxas. É isso mesmo: o Banco Central deve gastar este ano com juros e perdas em transações (de câmbio, por exemplo) em torno de seiscentos bilhões de reais. Se somar educação, saúde, segurança e infraestrutura, tudo isso junto, não alcança o gasto do Banco Central. A Previdência, que atende a dezenas de milhões de brasileiros gasta menos do que o que o BC paga de juros a uns vinte mil CPFs e CNPJs entre ricos e super-ricos.
O Banco Central é uma instituição de importância estratégica. É vital que o País tenha um sistema bancário sólido e líquido, além de confiável, disso cuida o BC. Também cabe a ele regular as transações e as relações dos bancos com as empresas, com as pessoas, entre si e com o exterior. Toda transação em moeda forte feita aqui no país e pelo país com o exterior passa pelo controle e monitoramento do BC. O BC faz a gestão da dívida interna e administra as reservas cambiais (algo hoje acima de 350 bilhões de dólares).
Desde o governo Fernando Collor, nos início dos anos 1970, toda operação de valor não desprezível e todo e qualquer investimento passou a ser nominativo, ou seja, o investidor é identificado. Acabaram as ações ao portador, os títulos de renda fixa ao portador e os cheques ao portador – este foi o mais duro golpe na corrupção que se conhece, tão duro que o presidente da República caiu. Esta mudança decisiva deveria ter dado (e deu) ao BC enorme poder e um controle minucioso, absoluto de todo fluxo relevante, seja em moeda local, seja em moeda estrangeira.
Nos oito anos do Governo Lula, o Brasil deixou de ser dependente do sistema bancário internacional e do FMI. O país ganhou autonomia para sua vida, os governos ganharam soberania para definir suas políticas. Essa mudança foi feita sob as mais duras críticas, mas é graças a ela que a crise não é ainda mais grave e dramática, muito, muito mais grave e dramática. Lula não fez mágica, apenas apostou e ganhou com uma decisão estratégica. E teve sorte com a bonança das finanças mundiais entre 2003 e 2008. (Como tem potencial este país!)
No governo Dilma, ainda no primeiro mandato, ela mandou baixar dramaticamente os juros reais e, usando a força dos bancos públicos, pressionou o sistema bancário privado a atender melhor e cobrar juros menores. E já no final do primeiro mandato, corrigiu a taxa de câmbio, coisa que Lula não fez. Pode ser apenas coincidência, mas ela também caiu (como Collor).
O BC brasileiro é dito responsável apenas por controlar a inflação, quando bancos centrais, mundo afora, também ocupam-se do crescimento da economia e do nível de emprego. Num futuro e legítimo governo, a mudança poderia começar por aí, no debate da missão da autoridade monetária. Num governo ilegítimo, o BC fica do jeito que está, entregue ao comando de um executivo afinado com o mercado financeiro, apenas.
Claro, não é simpático nem palatável especular sobre eleições para escolher o presidente do BC, mas, pelos números do primeiro parágrafo deste texto, vê-se que a função tem um poder desproporcional. Mas, da mesma forma que eleições seriam estranhas, não se pode entregar tal posição ao mercado. Escolher entre os quadros profissionais internos é uma opção, mas alguma conexão com o mercado é conveniente e até necessária.
O tema é delicado e sensível, tanto para os bancos, como para os governos. Uma coisa, entretanto, é certa: o Banco Central precisa melhorar muito a gestão da dívida interna e oferecer ao país um sistema bancário que cumpra o papel que lhe cabe no desenvolvimento. Isso, como dizem os baianos, tem, mas está faltando.