No modelo político brasileiro, o Presidencialismo de Coalizão, os partidos políticos também são coresponsáveis pela governabilidade. O Presidente necessita ter uma base de apoio para governar. O impeachement é uma saída política da correlação de forças da sociedade. A crise brasileira, contudo, segue uma orientação partidária e está passando pela reestruturação do PMDB.
Nasce do “velho” MDB, partido criado com o golpe de 1964 para dar uma aparência de normalidade democrática ao regime e abrigava a oposição “light” à ditadura militar, o PMDB foi se consolidar com a redemocratização. Ele é mais representante dos Estados brasileiros, permanecendo federativo e incorporando parcela do Brasil tradicional à política nacional. Os candidatos a presidente pelo partido, quando ousam, tiveram fraca votação, como Ulisses Guimarães. Ele teve dois presidentes da República no seu currículo, mas todos eram vice-presidentes e oriundos do Norte e do Nordeste. José Sarney, do Maranhão, substituiu Tancredo Neves, falecido antes tomar posse; Itamar Franco substituiu Collor de Mello após seu impeachement pelo Senado. Itamar vem de Minas Gerais, um Estado que sempre teve papel importante na configuração entre o Brasil moderno e o tradicional, sendo também o segundo colégio eleitoral do país, após o Estado de São Paulo. Minas sempre teve um papel relevante no desenho do Brasil de hoje, com destaque para sua atuação firme desde a política “café com leite”, uma dobradinha que Minas fazia com São Paulo na eleição presidencial da Velha República.
Não foi apenas o MDB que sobreviveu na redemocratização. A ARENA o fez, e também mudando para PFL, e agora para DEM. Ao contrário do MDB, buscou uma cor mais ideológica e teve momentos importantes na governabilidade. Os dois partidos da Ditadura Militar, modelo inspirado no federalismo americano, de representação forte dos Estados, e não da sociedade civil, o PMDB e o DEM continuaram nesse papel de ser estaduais, mas indispensáveis para a governabilidade no caminho para a consolidação democrática brasileira. Assim, o PMDB recebeu e deu apoio aos governos Fernando Henrique e, sobretudo, ao governo Lula, ficando cada vez mais forte neste último, chegando aos Estados mais desenvolvidos, como no Rio de Janeiro e em São Paulo, Estados estes com significativa presença de migração nordestina.
Assim, os personagens da atual crise de governabilidade têm a foto do PMDB que chega fortalecido ao governo em 2014 para “colaborar” como base aliada ao governo Dilma. Ele elege o presidente do Senado, o presidente da Câmara dos Deputados e a vice Presidência da República. Sem cair na tese conspiratória, tão sedutora, pois o partido não tem coordenação necessária para tal, mas a sua reestruturação nesse momento tem muito a ver com a nossa revolução burguesa hipertardia buscando novas estratégias. A dinâmica dessa revolução silenciosa, liderada até o momento pelo PSDB e pelo PT, com grande peso de São Paulo, passa, neste momento, pelo PMDB, com uma coordenação em São Paulo. O Partido ganhou representação da Federação das Indústrias paulista e Marta Suplicy.
Eduardo Cunha é um personagem também importante, pois acumulou forças e se preparou para essa reestruturação: unificar o partido, embora não o tenha conseguido. Com ambição de poder, inimigo pessoal de Dilma há tempos, e não deste momento, chegou a ser presidente da Câmara com a oposição da Presidente, formando uma base de apoio de mais de 100 deputados chamados de “baixo clero”, e seduziu a oposição para chegar ao poder fácil e rápido. Após uma eleição apertada para Presidente da República, nada poderia ser mais sedutor. Renan Calheiros, com um filho governador de Alagoas, chega à presidência do Senado por conhecer aquela casa e com uma experiência vivida em crises, passando imune com bastante habilidade por todas, desde o período de Collor de Mello.
Mas a inteligência dessa reestruturação, como dissemos, vem de São Paulo, terra do vice-presidente Michel Temer. Não apenas por ser o maior colégio eleitoral, o coração da economia nacional, mesmo com a diversificação do desenvolvimento para outras regiões, mas o vice tem tido “atos falhos” suficientes para favorecer a suspeita de que foi mordido pela mosca azul. A reunião do PMDB que elaborou um programa liberal bem articulado com o empresariado nacional, para o Brasil incorporar uma nova lógica na economia, mais liberal, e os constantes apelos feitos por ele para a necessidade de uma liderança de União Nacional são momentos que mostram preparação para a entrada triunfal do PMDB em cena. Para completar, a reunião de Eduardo Cunha com Temer dia antes dele aceitar a abertura do processo de impeachement contra a Presidente.
O PMDB não aspira apenas à presidência, pois seu papel político tem sido ser um coadjuvante para projetos do PSDB e do PT. Desta vez, ao que parece, quer ocupar o espaço da Centro Direita de espectro político que o PSDB nunca assumiu com desenvoltura. O PSDB disputa constantemente com o PT o espaço político de Centro Esquerda. O PMDB poderá ser o substituto do PSDB para liderar os interesses da burguesia nacional neste momento importante por que passa o Brasil ao se tornar um ator relevante no cenário internacional? Não podemos prolongar indefinidamente a crise por lutas de hegemonias. As ruas terão papel importante nesse desfecho. Nossa revolução burguesa sofre ajustes, mas não uma guinada. Vamos em frente!