Democracia é um pacto civilizatório, vale a pena relembrar, de uma sociedade diversificada e movida por interesses conflitantes. O respeito às regras do jogo, isto é, o estado de direitos é o parâmetro ético que se estabelece e o que o Brasil assiste, no momento, é ver as regras sendo agora fiscalizadas e fazendo com que os valores que legitimam a sociedade liberal democrática se estabeleçam. É um processo que vai se consolidando em toda América do Sul.
No Brasil, com a decisão do Supremo Tribunal Federal, o impeachement da Dilma atrasou pelo menos dois meses, mas ainda está nos planos da oposição, e continua oficialmente aberto com a admissibilidade do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. A luta da oposição, dessa forma, continua e a expectativa é que a economia possa colaborar com esse projeto. Assim, o ritual do processo, agora definido, poderá ser liquidado em dois meses. Será?
O processo de impeachement seria mais rápido, contudo, com um presidente da Câmara ainda forte para articular seu plano de “vingança” e uma oposição disposta a colaborar com ele, sangrando a presidenta. As chamadas pautas bombas, introduzindo mais gastos e barrando o ajuste fiscal, colaboram para que a economia continue sendo a moeda de troca para o sucesso desse plano de afastamento do governo que os partidos da situação chamam de golpismo, também é uma condição.
A facilidade do impeachement de Collor de Mello é que animou a oposição para os braços de Eduardo Cunha com a ideia de que ela poderia chegar ao poder mais rapidamente. O governo Collor de Mello, entretanto, sem apoio no Congresso e, principalmente, sem apoio na sociedade civil organizada, era presa fácil. O empresariado nacional optou por ele, quando Mário Covas, candidato do PSDB, não apresentava condições de vitória eleitoral. Mário Covas prometia um choque de Capitalismo, proposta que Collor assumiu e, ao chegar ao poder, o pôs em prática na sua radicalidade: quebrou o modelo Nacional desenvolvimentista, de proteção ao empresariado nacional, tirando a reserva de mercado ao permitir importação. Se Collor já tinha a oposição dos partidos de esquerda, aquele empresariado nacional também fez coro ao impeachement. Por esse motivo foi relativamente fácil seu impedimento, pois as ruas falaram mais alto.
Se a fragilidade do Collor e o atual processo contra Dilma são de origem política, pela denúncia de ética, o de Dilma Rousself vai pela economia fragilizada pela crise de governabilidade, uma vez que seu governo perdeu a base aliada que lhe dava maioria. Eduardo Cunha, do PMDB e presidente da Câmara, teve um papel decisivo nesse novo processo. O PMDB volta a ser o partido que garante ou não a governabilidade.
O ano de 2015 se caracterizou, pois, por uma crise econômica provocada por uma crise de governabilidade. A política é a causa maior, uma vez que esta crise econômica não afeta outros países emergentes da forma como chegou ao Brasil. E o sistema partidário brasileiro, a forma como as demandas da sociedade chegam à política, é formado por um partido no poder que representa setores significativos da sociedade civil, mas não tem condições de governar sem outro(s) partido(s), outras forças do sociedade ou, sobretudo, que representem os Estados. O PMDB continua mostrando que é o principal partido da governabilidade.
No Parlamentarismo, quando o governo perde a maioria no Congresso, uma moção de desconfiança pode fazê-lo cair e outra eleição. Ou ainda, quando for o caso, um primeiro Ministro eleito pela maioria deste mesmo Congresso. A lógica está na força do Parlamento. Sem maioria é impossível governar. Mas no presidencialismo, a força do presidente também é política. Se no parlamentarismo se exige partidos políticos fortes para que essa maioria seja formada por políticas sociais, no presidencialismo de coalizão também é exigida essa força da representação. Caso contrário, é difícil tirar um presidente, mesmo com dificuldade de governabilidade, mas que tenha um partido com capilaridade na sociedade civil. Collor caiu por não possuir, mas já se tentou impeachement de tosos os presidentes que assumiram após a redemocratização, o governo Fernando Henrique Cardoso e o governo Lula. Cada vez que a democracia vai se consolidando, esse realidade vai sendo mais concreta.
No Brasil, o processo de Dilma ainda passa pelo PMDB. Sua divisão reforça a tese de que o partido, sendo federativo e não nacional, não tem uma coalizão coesa e nem uma coordenação. O Vice Presidente Temer na presidência do Partido tentou, articulado com a Federação da Indústria, ao fazer um programa liberal. A realidade foi mais forte. PMDB dividido entre Câmara e Senado, a presidente Dilma ainda fica refém do partido para recuperar a governabilidade. Mais do que a troca de ministro da Fazenda.