O perfil do PT

O PT nasceu de um cruzamento híbrido da Igreja, da vertente da teologia da libertação, com os agrupamentos de tendência socialista dos sindicatos e universidades. Socialistas democráticos, trotskystas e leninistas se faziam presentes. Mas os leninistas assumiram o controle. A postura inicial era marcada pela bandeira da ética na política, a democracia direta e a heterodoxia econômica. Esta incluía o repúdio da dívida pública, do capital estrangeiro e do assistencialismo.

A visão do conflito como combustível da história dominava o partido, levando à agressividade. A compreensão segunda a qual o motor da história é a solução de problemas era rejeitada, levando a estigmatização dos “reformistas” e do “sindicalismo de resultado”. O que interessava não eram resultados ou a solução de problemas no varejo. O objetivo era a solução no atacado, pela superação de um problema supostamente fundamental, resolvendo todas as desventuras humanas. Era a revolução. O problema fundamental era propriedade privada, com a consequente divisão social do trabalho, origem presumida da desigualdade entre os homens.

Quem tem a solução para todas as desventuras humanas se sente legitimado para fazer uso de todos os meios, nos termos da ética teleológica, a qual acaba por não ser ética nenhuma. A bandeira da ética na política foi abandonada após a chegada ao poder. Não foi um “desvio” dos objetivos ou traição de líderes. É da essência do messianismo político. Só as conveniências são consideradas. Internacionalistas exploram o nacionalismo. Ateus usam argumentos teológicos. Críticos do assistencialismo não hesitam em praticá-lo. Tudo sem a menor cerimônia, se atender às conveniências.

A vitória nas urnas se beneficiaria da mudança do discurso. Veio a “Carta aos brasileiros”. A heterodoxia econômica e a agressividade associada à compreensão da história como um festim dionisíaco foi declarada abandonada. A eleição foi ganha. As políticas econômicas ortodoxas foram adotas. A economia, propiciada pelos bons ventos internacionais, melhorou. Surfando na situação favorável, o PT passou a adotar o assistencialismo antes criticado por seus líderes; aparelhou o Estado; sentiu-se sem concorrente político. Afinal, todos os seus adversários haviam sido desmoralizados pela campanha da “ética na política”… de tempos passados.

Com o controle de quase do meio sindical e a simpatia dos círculos universitários, o partido sentiu-se forte e abandonou a “carta aos brasileiros”. Voltou às ideias econômicas heterodoxas. Afinal a “ética” teleológica permite metamorfoses e surpresas. Partido de convicção, não se curva às evidências factuais. Pratica o voluntarismo. Sentindo-se legitimado pelos fins, desdenha das experiências históricas e ignora o fracasso reiterado do seu receituário.

Diante da crise, retornou à economia ortodoxa. Mas alega que ela está sendo imposta por “interventores”, como se não fosse necessária, nem fosse do seu governo.

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

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Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.