O mito da libertação feminina: do espaço privado para a defesa do masculino, por Luana Monteiro

Por muito tempo, à mulher, foi atribuído socialmente o papel dos cuidados do espaço predominantemente doméstico: tarefas cotidianas voltadas para a manutenção do lugar de morada e o tratamento afetivo, e até mesmo físico, das pessoas que dividem um lar. Com a crescente valoração de atividades predominantemente externas ao espaço doméstico, ocupadas pelos indivíduos do sexo masculino, uma relação polarizada ganhou corpo social: uma atividade passou a ser considerada rica e produtiva, uma vez que gerava lucro em dinheiro, e a outra tornou-se subalternizada e improdutiva, uma vez que não era capaz de gerar ganhos pecuniários.

O que essa hierarquização das atividades humanas gerou nos indivíduos? Do lado feminino uma busca incessante por inclusão no mercado e sucesso profissional e do masculino o distanciamento e rejeição ao feminino, tornando-se cada vez mais distante da possibilidade da construção de relações baseadas na afetividade. No fim das contas, ambos gêneros caminham em direção a uma via construída historicamente como masculina. Então, existe um problema com a mulher que busca sua libertação financeira e encontra no mercado o desenvolvimento profissional? Certamente que não, porém isso não equaliza a questão da hierarquização das atividades, pois é na permanência do dualismo sexista que se encontra o cerne do nosso problema. Enquanto dividirmos, em termos de “produtivo” ou “improdutivo”, as diferentes atribuições sociais humanas permaneceremos valorizando o manejo das grandes responsabilidades externas, como a gerência de recursos de um município, e desprezando o cuidado diário daqueles que dividem uma casa e precisam gerenciar seus próprios recursos. Descuidamos do espaço central de formação dos indivíduos do nosso tempo.

A busca por atividades socialmente valorizadas e a impossibilidade de abandonar atividades necessárias à manutenção da vida faz com que a mulher amontoe cada vez mais responsabilidades. Ou seja, nós mulheres não caminhamos para a suposta “independência”, mas para um acúmulo infindável de atividades e a exaustão das forças produtoras e criativa. Cada vez menos valorizadas, as responsabilidades relativas ao espaço doméstico passam a ser, também por aqueles que as realizam, subjugadas.

Entra em questão também o fato de que de longe o auto sustento financeiro significa liberdade de expressão para o feminino. Paira sobre as mulheres a “necessidade” de um homem para gerenciar suas vidas, colocando às avessas a frase também sexista “atrás de todo grande homem existe uma grande mulher” dizemos: para cada mulher existe um espectro patriarcal encarnado na forma humana seja essa forma o pai, o marido ou até mesmo outra mulher.

Muitas questões da nossa trajetória precisam ser repensadas e muitos paradigmas normativos precisam ser quebrados. Mas, um primeiro passo para essa longa caminhada pode partir da não assunção a papeis masculinos ou femininos. Assim como as atividades públicas subjugam as privadas, os homens o fazem com as mulheres. Condição que obviamente não se deve aceitar. Por outro lado, se muitos homens são incapazes de compreender com sensibilidade (por questões sociais e não por uma propriedade inerente ao ser masculino) os diferentes problemas enfrentados pelas mulheres, e são na grande maioria dos casos os próprios agressores e provocadores desses problemas, então não é esse tipo de indivíduo que deve ser um espelho de atuação para a vida profissional ou pessoal.

Luana Monteiro

Cientista social, mestre em Sociologia (UECE) e pesquisadora.

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Luana Monteiro

Cientista social, mestre em Sociologia (UECE) e pesquisadora.