O maior show da Terra (do Sol): Iron Maiden em Fortaleza

Pouco antes das 16:20h do dia 23 de março de 2016, numa tarde ensolarada, um gigante foi avistado nos céus de Fortaleza. O Boeing 747 fez a curva à direita para interceptar a Radial 130 de nosso espaço aéreo e alinhou-se na proa da pista 13R do Aeroporto Internacional Pinto Martins. Baixou seus flaps, trem de pouso e reduziu a potência das poderosas turbinas, auxiliado pelo freio aerodinâmico em suas asas para iniciar sua lenta descida. Ao peso natural do avião de cruzeiro somavam-se ainda cerca de 12 toneladas de uma valiosa carga: guitarras, amplificadores, equipamento de palco, pirotecnia e cenário. Além dela, uma tripulação de músicos, assistentes, técnicos, pilotos de reserva e comissários de bordo. No comando, o capitão Bruce Dickinson comunica-se com a torre de SBFZ (código da aviação para o aeroporto de nossa capital) e recebeu pelo rádio a autorização do controlador de voo para a aterrissagem:

“Flight 666, you’re cleared to land. Runaway 13R.”

Enquanto isso, no deck de observação do aeroporto, um séquito de 700 e tantos “camisas pretas” aguardava a chegada não só do 747, mas deste momento em específico por sabe-se lá quantos anos. Segundos antes do suave toque da aeronave em solo cearense, essa mesma multidão gritava e comemorava ao avistar o pássaro mecânico pairando leve em sua descida pelos céus de nossa capital. Como se fosse uma final de Copa do Mundo, o clima de euforia traduzia-se num grito ensurdecedor que ecoava por todo o terminal de passageiros – assustando até mesmo quem circulava por ali sem saber do que aquilo se tratava.

Sim, a lendária banda Iron Maiden chegou em nossa cidade!

A bordo do Ed Force One, apelido dado pelos fãs ao Boeing 747 numa jocosa referência ao avião presidencial norte americano (Air Force One), os quase sexagenários roqueiros britânicos chegam a Fortaleza para um show histórico no dia seguinte. Steve Harris (baixista e líder da banda), os guitarristas Janick Gers, Adrian Smith, Dave Murray, o baterista Nicko McBrain e o vocalista (e, diga-se de passagem, piloto do “busão”) Bruce Dickinson trazem consigo praticamente quatro décadas de um som que é referência ao gênero heavy metal. A banda é certamente uma das mais longevas em atividade e qualidade na história do rock, e praticamente inexiste algum “metaleiro” ao redor do planeta que não saiba cantar pelo menos os versos iniciais de “Fear Of The Dark”. E por falar em “metaleiros”, estes mal acreditavam quando se confirmou o tão sonhado show da banda na capital alencarina, ainda no ano passado. O Maiden sempre tocou em endereços vizinhos de nossa cidade, mas tanto por falta de produtoras locais que arriscassem bancar uma possível vinda, os fãs cearenses sempre tiveram de desembolsar uma grana a mais para ver a banda em uma de suas passagens por Recife (duas vezes) e Manaus (uma vez). Parecia realmente um sonho difícil de acordar. Mas acordamos sim, na manhã do dia 24, para testemunhar este espetáculo.

Meu “relato de fã” deste dia histórico começa com uma arriscada ida à frente do hotel da banda na Av. Beira Mar. Nunca fui de fazer isso, mas tive que tentar a sorte – na noite anterior, um amigo havia enviado uma foto tirada com o baixista da banda que saiu pra dar uma volta no calçadão e tomar sorvete. Por questão de minutos, não consegui encontrá-lo! Acordei cedo e passei pelo hotel, mas nenhuma movimentação – eles só viriam acordar mais tarde, para se exercitar. Sortudo de quem estava na Beira Mar nesta hora e pôde tirar foto com seus ídolos. Segui, então, para o aeroporto: o primeiro espetáculo do dia era admirar o Ed Force One, estacionado bem ali, na pontinha do pátio de aeronaves. A máquina monumental atraiu olhares logo cedo: assim que cheguei e me aventurei a cruzar a cerca de proteção do aeroporto pra admirar mais de perto possível, outros chegaram pra bater foto. Apaixonado por aviação que sou, não pude deixar de fazer um registro.

 

Quase inacreditável: a super máquina Ed Force One na minha cidade!

Quase inacreditável: a super máquina Ed Force One na minha cidade!

 

Dali até de noite, o pensamento não foi outro. De antemão, já havia combinado de sair mais cedo do trabalho a fim de evitar congestionamentos (lembrando que no show do Paul McCartney teve gente que sequer conseguiu chegar à Arena Castelão devido ao engarrafamento). Encontrei alguns amigos e fomos numa van alugada até o estádio. Trânsito bom, mas foi essencial ter saído cedo para evitar qualquer imprevisto. Chegando lá, lotação total: filas gigantes, muita gente bebendo do lado de fora, ouvindo os clássicos do Maiden, um clima de total empolgação. Vendedores tratavam de oferecer de tudo relacionado à banda: bandeiras, bandanas, camisetas… Uma das coisas mais bacanas também era ver o clima amistoso, familiar, que unia várias gerações de fãs – muitos da mesma família, com pais, filhos e até netos. O rock é mesmo genético, tá mesmo no sangue!

Após rever amigos de longas datas, entramos. Logo no começo da Budzone (área mais próxima do palco, no gramado – diga-se de passagem respeitosamente preservado e coberto com um piso de EVA pela organizadora do show) o som estava absurdamente alto. A banda de abertura foi The Raven Age, do filho de Steve Harris. No começo, até achei interessante, pois o tipo de new metal que eles fazem me lembra algumas bandas mais pesadas que gosto de ouvir em dias que o estresse impera (como Killswitch Engage, por exemplo). Porém, no decorrer do show, tudo se tornou uma entediante massa sonora contínua de guitarras hiper-pesadas e sem qualquer variação melódica. Reprovação geral – mais sorte na próxima, garotos! A banda seguinte era o Anthrax, tradicional representante do trash metal americano (junto ao Megadeth, Metallica e Slayer, compõe o chamado “Big Four”). Não conheço muito a banda, mas a empolgação já era geral na plateia ao curtir esses veteranos. A esta altura, o som já estava bem melhor equalizado, permitindo até que as pessoas conversassem na plateia.

Terminado o Anthrax, aproxima-se cada vez mais o tão esperado momento. A ansiedade e a adrenalina sobem enquanto pegamos cervejas e trocamos ideias na plateia (um ponto negativo: a cerveja gelada acabou justamente antes do evento principal!). Alguns clássicos do rock ressonam no sistema de som, até que começa “Doctor, Doctor” do UFO. Todo fã que se preze sabe que essa é a última música a ser tocada antes da banda entrar. Ao fim do último acorde, apagam-se as luzes. Era chegada a hora! Todas as vozes na Arena Castelão bradavam um grito de felicidade já apertado no peito, engasgado e que agora se libertava em pura empolgação. Vozes e braços na escuridão se erguiam enquanto os dois telões exibiam um vídeo de abertura, uma animação com o Ed Force One se libertando de várias raízes e galhos numa densa floresta. Logo em seguida, as luzes se voltam para o palco e focam um tipo de altar cheio de fumaça bem no centro. A introdução instrumental começa e Bruce Dickinson surge cantando sozinho. Logo toda a banda chega sem pedir licença abrindo os trabalhos da noite com a poderosa “If Eternity Should Fail”, primeira faixa do novo disco, The Book Of Souls. Difícil descrever o nível de empolgação quando eu mesmo estava apenas extasiado e vibrando ao cantar cada verso!

 

Bruce começa o “ritual” e invoca o primeiro som da noite: “If Eternity Should Fail” (Foto: Fabio Lima/O Povo)

 

A energia da banda, com todos os 6 membros já beirando a casa dos 60 anos (Steve Harris é o sessentão mais recente: fez aniversário no último dia 12) é algo exemplar. Todos correm, se mexem, brincam, interagem com a plateia e dominam seus instrumentos de uma forma tão fluida que somente suas quatro décadas de entrosamento musical permitiriam. A noite prossegue misturando clássicos como “Children Of The Damned”, “Powerslave” (uma de minhas favoritas), “The Trooper”, “Hallowed Be Thy Name” a novos hits do recente álbum como “Tears Of A Clown” (uma semi-balada em homenagem ao falecido ator Robin Williams), a épica “The Red And The Black” e a empolgante “Speed Of Light”. Sem contar na longa “The Book Of Souls” e a participação do mascote Eddie (que teve seu coração arrancado e atirado na plateia por Bruce, levando todos ao delírio). Lá pelas tantas, o vocalista saúda o público e menciona os mais de 26.500 fãs que marcaram presença naquela noite, falando que o Brasil é um excelente lugar para tomar cerveja, conversar com os amigos e se divertir. Neste momento, ele recebe da plateia uma bandeira do nosso país e a exibe com muito carinho.

 

Dave Murray, Steve Harris e Adrian Smith (Foto: Fabio Lima/O Povo)

Dave Murray, Steve Harris e Adrian Smith (Foto: Fabio Lima/O Povo)

 

As músicas do Maiden também esbanjam cultura. Não é só a melodia, mas as letras são carregadas de histórias inspiradas em mitologia, filosofia, fatos históricos, guerras, misticismo, esperança e amizade. O último disco, por exemplo, tem seu tema inspirado na história da civilização maia.  Isso não impede, porém, que seus hits sejam recheados de refrões cativantes com “ôo ôo ôooos” sempre divertidíssimos de cantar em multidão! Aliás, o público sempre tratou o Maiden com esse clima bastante futebolístico (estão em casa, pois sabemos que os ingleses são loucos por futebol): aonde quer que passe, a banda é sempre saudada com vários cantos de “olê, olê, olê, olê… Maiden, Maiden!”

 

O performático guitarrista Janick Gers e Bruce Dickinson (Foto: Fabio Lima/O Povo)

O performático guitarrista Janick Gers e Bruce Dickinson (Foto: Fabio Lima/O Povo)

Em vários momentos, o tão esperando “Scream to me, Fortalezaaaa!” puxado por Bruce parecia um grito de redenção proferido pelas milhares de vozes que há anos aguardavam aquela banda, aquele show, aquele momento. Difícil explicar a energia pairando no ar, nas lágrimas e nos sorrisos em todas as direções em que se olhava naquela noite. Os clássicos na tradicional dobradinha de “Fear Of The Dark” e “Iron Maiden” foram cantados a plenos pulmões. Não sei de onde tirava energia do meu corpo e fôlego suficiente para pular e cantar tanto, mas sei que consegui e valeu cada momento. E por falar em energia, mal dá pra acreditar que Bruce venceu recentemente um câncer na língua e ainda consegue alcançar notas tão altas e afinadas. O show vai chegando ao fim, em pouco mais de duas horas intensas e vibrantes, quando a trinca final de canções leva a plateia à loucura com “The Number Of The Beast” (com direito a um gigantesco “capiroto” cenográfico surgindo por detrás do palco), a belíssima “Blood Brothers”, que me levou imediatamente às lágrimas, e finalizando com a enérgica “Wasted Years”. Sem palavras!

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Não dava pra perder tempo tirando foto, então essa foi a única selfie!

É complicado descrever as emoções do show em detalhes. São inúmeras. Mas o único filme que passa na cabeça é de quando você ainda é um garoto, começando a escutar rock, se espelhando nesses caras, pegando os primeiros riffs de guitarra e descobrindo a criatividade ilimitada do Iron Maiden. Não só foi um show histórico como também um marco na economia de entretenimento local. A tão esperada vinda da Donzela de Ferro abre terreno e credibilidade para outras atrações mais audaciosas plantarem os pés por aqui: em agosto, já teremos o Megadeth (que hoje conta com o guitarrista brasileiro Kiko Loureiro em sua formação) e já surgem negociações para os alemães do Scorpions  desembarcarem por aqui ainda neste ano. Quanto ao espetáculo presenciado no dia 24 de março de 2016, de mim restou só a falta de voz no dia seguinte (haja antiinflamatório e gargarejo pra curar…) e a satisfação imensa de ter visto um dos maiores shows da Terra bem aqui, na nossa “Terra do Sol”.

No dia seguinte (25), voltei ao aeroporto para ver a decolagem do Ed Force One e ainda consegui umas fotos da banda acenando pros fãs na hora do embarque. Pouco antes das 15h, o Boeing 747 recebe autorização para a partida, alinha-se novamente com a pista 13R, acelera e ganha os céus da capital novamente. Ao som de aplausos cheios de gratidão dos fãs que acompanham no deck de observação do aeroporto, o que fica aqui em solo cearense (quando finalmente cai a ficha e nossos pés voltam ao chão) é a sensação de “Eu vi isso acontecer! Na minha cidade!”.

 

Up the fuckin’ Irons! \,,/

 

Serviço:

Iron Maiden – The Book Of Souls World Tour
Fortaleza (Arena Castelão), 24 de março de 2016
Público: 26.500
Bandas de abertura: The Raven Age e Anthrax
Realização: Arte Produções
 
Setlist:

1 – If Eternity Should Fail
2 – Speed Of Light
3 – Children Of The Damned
4 – Tears Of A Clown
5 – The Red And The Black
6 – The Trooper
7 – Powerslave
8 – Death Or Glory
9 – The Book Of Souls
10 – Hallowed Be Thy Name
11 – Fear Of The Dark
12 – Iron Maiden
BIS:
13 – The Number Of The Beast
14 – Blood Brothers
15 – Wasted Years

Sérgio Costa

Bacharel em Ciências Sociais pela UFC e em Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) pela Fanor/DeVry. Publicitário por profissão, empresário por coragem e guitarrista por atrevimento. Apaixonado incurável por música, literatura, boas cervejas, boas conversas, viagens inesquecíveis e grandes ideias. Escreve quinzenalmente sobre música para a coluna Notas Promissoras do portal Segunda Opinião.

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Bacharel em Ciências Sociais pela UFC e em Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) pela Fanor/DeVry. Publicitário por profissão, empresário por coragem e guitarrista por atrevimento. Apaixonado incurável por música, literatura, boas cervejas, boas conversas, viagens inesquecíveis e grandes ideias. Escreve quinzenalmente sobre música para a coluna Notas Promissoras do portal Segunda Opinião.

2 comentários

  1. Richardson Lucena Chaves

    Texto emocionante, Serginho! Me senti retornando ao castelão e lembrando de tudo q aconteceu naquela noite mágica!

    • Sérgio Costa

      |Autor

      Demais, né amigo Rich? Obrigado pela força! Muito bom compartilhar essas emoções em palavras. Valeu!