O jogo, a bola da vez, o juiz, a crise e o apito final, por Osvaldo Euclides

A bola foi maliciosamente jogada no campo das forças armadas. E, felizmente, parece que os militares resolveram agir de maneira profissional e dentro dos limites claros das regras constitucionais, ao recusarem um papel mais direto e concreto (leia-se intervenção) no que aqui e ali se chama “a solução da crise”. De fato, o uso da força e das armas não deve ser o melhor caminho para resolver questões políticas, crises econômicas ou impasses institucionais. Eis um grande e importante avanço na história da jogo democrático.

A bola vai para o campo da política. O Parlamento brasileiro, nos dois campos, aponta o dedo para o Poder Executivo e diz: – “A crise é você”, o que já é uma fuga, pois as maiores figuras dos dois campos estão enroladas na fonte da tal “crise” e, questão de tempo, deverão virar “a bola da vez”. E sabotam o poder executivo ao agirem lentamente, ou não agirem, nas votações do “ajuste fiscal” exigido pelo “mercado”. Ou seja, os jogadores da política devolvem a bola, mas nunca perdem a oportunidade de fazer suas embaixadinhas.

A bola cai no campo da economia, onde um jogador chamado “mercado” virou o dono do jogo, tanto que pode pegar a bola com a mão e jogar na banheira, pois ele é invisível ao juiz. É um fenômeno esse jogador. Ele sempre ganha, ele sempre comemora, até gol contra vira festa e dá lucro. Joga com a razão, ataca com a emoção, domina na bola baixa, ganha todas na bola alta. Faz tabelinhas de fazer inveja a Pelé-Coutinho e Pelé-Tostão. É craque o mercado, sempre se sai bem, mas pouco contribui para o time e para a torcida. Na verdade, engana a (quase) todos.

A bola vai para o campo do poder executivo, este sim, ao mesmo tempo o alvo e a “bola da vez”. Infelizmente, o time está sem craques e não se preparou adequadamente para esta segunda rodada. O jogo ficou bruto, o juiz é parcial e a bola não entra. O time está tão fraco que nem consegue entender o que está acontecendo em campo, a ficha não cai. O adversário catimba, faz teatro, dá carrinho por trás. O juiz finge que não vê, apita mal e o jogo fica esquisito, mas, como nunca antes na história do país, a torcida aplaude o árbitro.

Se a arbitragem é parcial, a transmissão do jogo nem se fala. As câmeras, as lentes e os olhares dos entendidos ignoram a bola, o jogo e só cobrem certos lances, quase só apontam para o juiz. O juiz é o espetáculo, de preto, como sempre, ele é que produz os melhores lances com o apito. O jogo é feio, triste e pobre. A torcida ignora os times, esquece o jogo e apenas acompanha e segue hipnotizada pelo juiz. A expectativa é só uma: qual a próxima expulsão, quem vai para a cadeia, digo, para o chuveiro mais cedo.

A bola está no campo e no controle do poder judiciário. No fundo, nesse jogo, sempre esteve, o juiz sempre fez o mesmo papel. A novidade é que desta vez…qual é mesmo a novidade desta vez?

Só uma coisa é certa: manda no jogo quem tem o poder de dizer quem é a bola da vez.

Para entender o jogo, quando ele acabar, quando chegar a “solução para a crise”, não adianta ler o jornal, ouvir o rádio e ver a TV.

Vai ter que esperar a voz da história para saber quem efetivamente perdeu, quem efetivamente ganhou, vai ter que esperar muito, quanto, só o tempo dirá.

Até porque o jogo só acaba quando termina, quando o juiz dá o apito final.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.