Ao longo de seus 49 projetos de longa metragens, Woody Allen criou uma gramática cinematográfica que magistralmente alinhou o humor com uma abordagem mais conceitual e crítica acerca da existência humana. E longe de ser considerado um realizador de olhar limitado, Allen conseguiu mesclar essas realizações em diferentes épocas e estilos, passando pela comédia pastelão (Bananas) até dramas de tom psicológico (Interiores). Nesse meio termo é que se encontram obras como o brilhante Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977).
Na trama, o comediante nova-iorquino Alvy Singer (Woody Allen) se apaixona pela complicada Annie Hall (Diane Keaton). Em meio a idas e vindas na relação, Alvy rememora diferentes fases deste complexo momento de sua vida. O filme, portanto, é uma comédia romântica, mas que já em 1977 rompia com uma série de traços estabelecidos na cinematografia da época e estabelecia alguns caminhos que estavam a ser percorridos nas práticas do cinema que se desenhava para a posteridade.
Certamente, o mais notável desses pontos é a escolha por uma linha narrativa que inclui o espectador diretamente na trama apresentada. Ou seja, Allen “quebra a quarta parede” do fazer fílmico e fala diretamente àquele que assiste a obra há 40 anos atrás. Sabemos que vemos um filme, mas a sensação que temos ao perceber que o personagem “interage” conosco cria um positivo campo de aproximação naquilo o que podemos atestar como o rompimento da lacuna de tempo e espaço cinematográficos.
Estamos em 2017 assistindo à obra feita em 1977, e a diferença de 40 anos entre esse tempo é instantaneamente desfeita a partir da sua primeira sequência quando Alvy (ou Allen) nos apresenta a estória em curso. A nós, ele se dirige como um amigo que dividirá o mesmo espaço pelos próximos 90 minutos que seguem de metragem. E tanto em sentido quanto em forma, o longa explora esse conceito de aproximação e franqueza na experiência do que o filme é.
Formalmente falando, é como observarmos que a montagem foi toda pensada em uma perspectiva de um tempo fraturado. Que se despedaça ao longo da narrativa, mas que em momento algum soa desconexo. Nas voltas e avanços do tempo que a estória no conta, sabemos a todo o momento onde estamos e aonde vamos. E pensar essa construção em meados dos anos 1970 era sim ter a convicção das posições assumidas enquanto realizador.
Esse pensar que Allen adotara fora aquele que tão singularmente propunha novos modelos de experimentação e criação da experiência fílmica a partir de toda a gama de potencialidades que o uso da imagem permitia e segue até hoje permitindo. E em Noivo Neurótico, ele afirma na construção do roteiro e na concepção da imagem, em termos de como os planos do filme foram feitos, o quanto ele estava ali para romper mesmo com alguns padrões até então postos.
O que Allen propõe é um exercício de desromantização do nosso olhar ante a vida. Ele não endossa uma visão pessimista, apesar de Alvy ser um personagem muito complexo e cheio de manias. O tom se aproxima mais de um ar de sobriedade, onde o filme em si ultrapassa a barreira do entretenimento, e se apropria de toda a força que o fazer artístico tem no repasse de uma série de mensagens e questões que, por serem universais, romperam a fronteira dos anos 1970 e se estenderão por anos e anos, sem dúvida.
E aí temos uma enxurrada referencial que transbordam em todas as sequências que compõem o longa. Passando ai pela crítica aos costumes americanos, o papel do artista nos campos da comédia, do cinema e televisão, além da cultura e do próprio modo como nos relacionamos e lidamos com nossas experiências afetivas na sociedade. Essa é fantástica aura que reveste Noivo Neurótico, Noiva Nervosa para além de tudo o que a obra representa para a história do cinema.
E é por essa e tantas outras razões que Woody Allen figura como um dos mais inventivos e relevantes realizadores de nosso tempo. Assim como o foram grandes mestres do cinema, como Júlio Bressane (1946-), Akira Kurosawa (1910-1998) e Ingmar Bergman (1918-2007), esse último a maior inspiração para Allen, e que constantemente era referenciado nos filmes do diretor norte americano. O cinema de Allen é aquele que leva o vigor do fazer contemporâneo, cuja idealização perseguiu e persegue obstinadamente a distinção do fazer fílmico. Pela honra e glória do que o cinema é.
FICHA TÉCNICA
Título Original: Annie Hall
Tempo de Duração: 93 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 1977
Gênero: Comédia, Romance
Direção: Woody Allen