Não se faz política e democracia sem imprensa de qualidade – IV – por Osvaldo Euclides

Tim Woo é advogado, professor e escritor. Tem uma Ong que estuda mídia e tecnologia. Já foi listado como um dos cem mais influentes de Harvard. Na virada de 2010 para 2011, lançou o livro ‘Impérios da Comunicação’, que em 2012 foi editado no Brasil pela Zahar.

Ele analisa o surgimento, evolução e consolidação das principais tecnologias de comunicação dos últimos duzentos anos, envolvendo, pois, o telefone, o cinema, o rádio (Am e Fm), a televisão (aberta e fechada) e a internet.

Ele observa que todos esses veículos de comunicação nascem como tecnologias destinadas a democratizar a informação. Ou seja, nascem pela visão de cientistas em busca de um mundo melhor, e, importante, não tinham qualquer objetivo de lucro. Entretanto, tão logo seu potencial de mercado e de poder é percebido, entram no negócio investidores poderosos com uma nova visão de expansão e concentração. A partir daí, a visão inicial desaparece e a nova visão estratégica se impõe – lucro e poder. O Estado participa ativamente de tudo, atraído pelos novos parceiros, oferecendo a regulação que o investidor exige para fazer, digamos, os riscos compensarem e restringir o acesso de novos atores. Assim, em pouco tempo a nova tecnologia de comunicação se torna grande, poderosa e concentrada.

Esse modelo começa com o telefone. Graham Bell inova na tecnologia. O lendário banqueiro J P Morgan se torna investidor. E surgem as maiores empresas de telecomunicação do planeta naquele remoto fim de século XIX, início do XX. E o modelo se repete com o cinema, com o rádio e com a televisão, sempre os Estados Unidos da América à frente, liderando, para não dizer dominando tudo.

Como é fácil perceber, o que Tim Woo chama de Ciclo se repetiu do telefone do século XIX até hoje. E a internet que, apesar de ter nascido nas entranhas das instituições de segurança estratégica do governo americano, inspirou o mais entusiasmado discurso de que a democratização total da comunicação havia chegado, é a maior e mais recente tecnologia dessa lista.

Segundo esse discurso, a rede mundial de computadores quebraria todos os paradigmas, romperia todas as barreiras e todas as fronteiras, inclusive os padrões empresariais de lucro e crescimento (era a Nova Economia!). A informação seria democratizada, a formação da opinião pública seguiria novos padrões. Falaríamos todos para todos, sem limites, tudo de graça, sem restrições.

Esse era exatamente o mesmo discurso do telefone no fim do século XIX. O mesmo para o cinema, depois para o rádio (primeiro no Am, depois no Fm) e para a televisão (primeiro na Tv aberta, depois na Tv fechada). O ciclo se confirma e se repete. Ao final do ciclo, a tecnologia caminha para concentrar o poder em poucas e gigantescas empresas, que exigem capitais de enorme volume, em setores que se fecham de forma aparentemente natural para pequenos e médios empreendedores. O processo de consolidação do ciclo não se faz sem a participação ativa do Estado. Os parlamentos, os governos e as agências reguladoras têm papel decisivo.

A internet é apenas a etapa mais recente. O discurso permanece, para a internet e seus grandes ‘players’, ele continua útil e necessário – pega bem essa estória de democratização. Mas, os mais atentos já se sentem membros de uma grande rede, mas discretamente isolados em pequenos grupos ou guetos. Os segmentos de mercado mais relevantes já têm donos, e esses donos dominam completamente, basta ver a dimensão que assumiram o Google e o Facebook no controle da informação e no domínio crescente da verba publicitária.

Infelizmente, tudo indica que a internet não será ainda a tecnologia que democratizará a informação e a formação da opinião pública. Neste ponto, a experiência recente do Brasil é prova evidente, ela apenas se somou às outras e passou a fazer parte do cenário. Os eventos e as iniciativas positivas, como os sites de jornalismo de opinião, entre outras, dificilmente serão capazes de fazer a mudança que o discurso sugeria.

O outro discurso que não morre, porque verdadeiro, é aquele que diz que sem imprensa livre e de qualidade não há democracia. A democracia brasileira está ferida de morte. Os brasileiros esclarecidos sabem disso, sentem isso, sofrem por isso, mas não têm a menor ideia de como sair disso, como escapar desse destino fatal sem poder contar com uma imprensa livre e de qualidade.

Um trechinho do livro para encerrar:

“…Quando voltou à Inglaterra, (o escritor Aldous) Huxley (autor de O Admirável Mundo Novo) escreveu em um ensaio para a Harper`s Magazine chamado “The Outlook for American Culture”: “O futuro dos Estados Unidos é o futuro do mundo”. Huxley tinha visto esse futuro e estava um tanto desanimado com ele. “A produção em massa é admirável quando aplicada a objetos materiais”, escreveu, “mas não é tão boa quando aplicada às questões do espírito”. Sete anos depois, essas questões do espírito ocorreriam a outro estudioso da cultura e teórico da informação. “O rádio é o intermediário mais influente e importante entre o movimento espiritual e a nação”, escreveu Joseph Goebbels, de maneira bem astuta, em 1933. “Acima de tudo”, continuava, “é claramente necessário centralizar todas as atividades de rádio”…”

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.