Paulo Henrique Amorim conta em seu livro O Quarto Poder que o então governador do Paraná Roberto Requião (hoje senador) perguntou a José Dirceu, então todo poderoso chefe da Casa Civil do (ainda nos primeiros anos) governo do Partido dos Trabalhadores, por que o governo federal não fazia como ele, Requião, e investia num sistema de comunicação público (do Estado, não do governo), no sentido de desenvolver uma rede informação isenta para a população. Dirceu respondeu: “O governo já tem sua rede. É a Globo”. E argumentou que saia muito caro investir em comunicação nesses moldes públicos (nos três mandatos completos do PT, o governo federal deve ter investido na Globo algo como cinco bilhões de reais).
Quando o vice da presidente impichada assumiu a presidência, inicialmente de forma interina, uma das primeiras providências, senão a primeira, foi trocar o presidente do modestíssimo e limitadíssimo núcleo de comunicação pública, uma rede de TV de baixa audiência, mas que amadurecia, avançando em credibilidade. O interino, orientado por assessores espertos, só estava confirmando a máxima de que a primeira medida de qualquer revolução ou golpe é controlar a informação. Como também se diz, na guerra (no caso uma guerra política) a primeira vítima é a verdade.
O óbvio precisa ser mostrado aos mais jovens e lembrado aos mais experientes: a imprensa é um poder. A informação é um bem público. A opinião é livre, mas deve ser separada da informação. A relação entre imprensa e governos é delicada, quando não promíscua. Essa relação é decisiva para uma sociedade civilizada. Um cidadão desinformado ou inconsciente pode ser massa de manobra da disputa de poder. A tal ponto que pode sair atirando nos próprios pés.
O brasileiro lê pouco os jornais e as revistas de interesse geral, e que cobrem minimamente a política e a economia, espaço onde são negociados os interesses mais legítimos (ou não) do trabalhador, das empresas, do país. Com duzentos e cinco milhões de habitantes, é duro saber que os três maiores jornais do país somente são comprados e lidos por menos de um milhão de pessoas. A circulação líquida paga da Folha de S. Paulo, o maior jornal paulista, impressa e eletrônica, fica em terno de 310 mil exemplares. O jornal O Globo, do Rio de Janeiro, fica bem abaixo, em torno de 280 mil.
Entretanto, possivelmente dois terços dos brasileiros assistem a pelo menos um dos programas de jornalismo noturno de uma das três redes de televisão que concentram praticamente toda a audiência, com destaque para o Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão. De noite, a família se reúne e o brasileiro médio, barriga cheia e espírito desprevenido, vai se informar. É assim que ele se informa, este brasileiro típico, e é assim que ele faz suas escolhas políticas e desenvolve sua opinião sobre a economia. Convenhamos, é pouco, é pobre, é incompleto. Normalmente recebe uma única visão, uma única informação, uma única análise, uma única opinião.
É isso. Durante o dia ele já foi impactado direta ou indiretamente pelas manchetes desses jornais, que são lidos e comentados em todas as pequenas, médias e grandes emissoras de rádio e televisão espalhadas país adentro. Os jornais televisivos são todos muito parecidos, como se só houvesse um jeito de ver o mundo. O noticiário e o comentário das rádios vai na mesma linha dos jornais impressos e da televisão. O consenso (verdadeiro ou falso, natural ou artificial) se constrói fácil. As agências noticiosas (empresas profissionais da informação) pertencem aos três maiores jornais. Todos são os mesmos há décadas.
Dizia Leonel Brizola que “a política sem conflitos é a arma das elites”, ou algo assim. Ao consenso que se constrói e se mantém fácil, como opor uma ideia, como promover um debate sério de qualquer projeto que não seja apoiado pelo tal consenso? A onda de informação consensual é forte, alta, avassaladora. Essa onda segue no dia seguinte, e no dia seguinte ao seguinte, cala, sufoca e afoga nas águas ou no cansaço qualquer pessoa, grupo ou partido que não pense igual.
Todas as questões acabam sendo vistas por um lado só, por um ângulo só. As questões sérias têm muitos ângulos, não um só, não apenas dois, são muitos e complexos, às vezes.
Não é à toa que as questões da mulher (a violência, o aborto), os assuntos da propriedade da terra (demarcações indígenas, reforma agrária), os problemas que afetam o jovem da periferia e a qualidade dos serviços públicos sejam tão descuidados ou maltratados, atrasados e adiados.
O debate sobre a concentração da indústria da informação é interditado pelos que hoje a dominam (as famílias Civita, Marinho e Frias, principalmente) e pelos que ocupam circunstancialmente o poder formal. Não é ilegal que esses empresários da comunicação ajam como agem, no que se refer à opinião. Afinal, a opinião é livre e a ninguém surpreende que eles tenham um mesmo posicionamento. Isso é característica de mercados sem concorrência.
Fique claro: o mercado sozinho não vai resolver o problema da evidente concentração da informação. É necessária, indispensável, a ação do Estado, preferencialmente via Parlamento, após debate público.
Os governos recentes, que se disseram populares e progressistas, não tiveram a coragem sequer de avançar na discussão e implantação de um mínimo Conselho de Comunicação, mais uma pequena grande covardia, simbolizada na palavra arrogante de José Dirceu.
Mas, e a internet, a redentora e democratizadora rede de comunicação? Tema para outro texto.