Manter o eixo, o controle, a esperança, por Alexandre Aragão de Albuquerque

A democracia moderna alicerça-se em duas dimensões. Os valores que lhe dão sustentação são a liberdade e a igualdade entre os cidadãos e cidadãs. E sua organização política sucede pela existência de um conjunto de regras fundamentais que estabelece quem está autorizado a tomar decisões coletivas e quais procedimentos deverão ser adotados, implicando autonomia do sistema político e jurídico.

As regras são procedimentos, meios a serviço dos fins a serem alcançados, devendo impedir ao mesmo tempo o arbítrio e a obscuridade dos atos públicos, buscando responder às demandas da maioria. As regras procedimentais são necessárias tanto à representação quanto à participação política, e não podem ser vistas apenas como atributo da democracia representativa, porque quanto mais participativa for uma comunidade, mais qualificados tendem a ser seus procedimentos, sobretudo quando se trata de uma participação sustentável. Assim, as regras de procedimento revelam-se indispensáveis para todo o campo político.

Com efeito, não há democracia sem o reconhecimento de um campo político onde se exprimem os conflitos sociais e se tomam decisões, pelo voto majoritário, reconhecidas como legítimas para a sociedade. Os canais de participação política são espaços para discussão e negociação públicas, de explicitação de conflitos e interesses, onde se manifestam as demandas e pressões sobre os governos, nos quais os conflitos resultantes desse processo requerem regras democráticas para que de fato se constituam em possibilidades de democratização da elaboração de políticas. O reconhecimento democrático dos conflitos sociais não significa fomentar uma cultura de ódio, tampouco desenvolver uma práxis de eliminação do outro. O ódio, como lembra Edgar Morin, é a vontade de fazer o mal. O desejo de fazer o mal é primariamente o desejo de eliminação do outro, que se refina muito rápido, pois a vontade maléfica não se satisfaz com a eliminação pura e simples. Ela tem necessidade de perseguir obstinadamente o odiado para gozar seu sofrimento.

Pelo contrário, dialogar democraticamente requer o contínuo esforço humano de comunicação, para penetrar as verdades das quais os sujeitos em diálogo são portadores e estabelecer um relacionamento que acrescente compreensão mútua entre os interlocutores, possibilitando-lhes atitudes reflexivas mais amplas que lhes permitam encontrar respostas concretas mais profundas e eficazes com as quais possam superar as situações conflituosas. A atitude de diálogo requer um despojamento, uma abertura para com o outro. Essa abertura em si já é um instrumento que possibilita uma visão mais ampliada. O diálogo democrático requer fundamentalmente uma atitude de civilidade que permita aos interlocutores rever suas posições iniciais, na busca das respostas mais adequadas a serem implantadas.

Em seu último discurso, no dia 07 de abril, para o Encontro de Mulheres em Defesa da Democracia, a presidenta Dilma Rousseff ressaltou que estamos vivendo um tempo muito estranho no qual vem em evidência a ausência de justificativa jurídica e legal que ampare qualquer processo de impeachment daqueles que tentam promover um golpe de Estado no Brasil. A resposta firme que precisa ser consolidada pelos brasileiros e brasileiras, bem como pelas instituições políticas e jurídicas de nosso País, é a defesa da soberania popular manifesta pelo voto de mais de 54 milhões de brasileiros e brasileiras que votaram em Dilma. É preciso ainda mais: devem ser respeitados, também, os milhões que não votaram nela, mas que participaram das eleições, que acreditaram nas eleições e que honram e acreditam nas regras da democracia. Eles também têm de ser respeitados porque o que está em questão é respeitar as regras democráticas previstas na Constituição.

O desprezo pelas diferenças está na origem do preconceito. O preconceito é motivador da intolerância. E a intolerância é o ambiente onde nascem todas as formas de violência: o insulto, a ofensa, a agressão física, o espancamento, a tortura, o assassinato. Portanto, o preconceito nem a intolerância podem vencer. As leis são a garantia de que podemos viver e conviver em sociedade. A maior de todas as leis é a nossa Constituição, resultado generoso e grandioso da luta do nosso povo. Como afirmou a presidenta Dilma Rousseff, é preciso manter o eixo, o controle e a esperança de que sairemos dessa tentativa de sabotagem golpista ainda mais fortalecidos em nossos valores e em nossas regras democráticas. Tarefa que depende de cada brasileiro, de cada brasileira.

 

 

 

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .