Lula e as eleições de 2018 (Parte I): os Partidos Políticos, por Josênio Parente

Iniciamos mais um ano eleitoral e num momento de inflexão do modelo político brasileiro. Podemos avaliar a importância desse momento imaginando um viajante que tivesse saído do Brasil dois anos atrás e ficasse impossibilitado de receber notícias de seu país. Ao retornar, ele ficaria sabendo que a presidente Dilma Roussel sofrera um processo de “impeachment” ainda na metade de seu governo e o ex-presidente Lula, seu padrinho político, acabara de ser condenado por duas instâncias, no Judiciário, tudo acontecendo muito rápido, sem que houvesse, na época de sua saída, um sinal evidente de que esse cenário seria possível.

Conspiração ou golpe contra um partido político que prometia, na época de sua saída, que estaria no poder por muito mais tempo, foi a dúvida com que ele se deparou, sobretudo com a inserção desse debate nas redes sociais. A dúvida que ficou foi saber se a escolha desse caminho, à margem do processo democrático, através de um processo excepcional, seria a forma mais eficaz de alternância de poder realizado por setores também organizados da sociedade, não satisfeita com as políticas do partido no poder. Com Collor de Mello, que sucedeu a José Sarney, um governo sem popularidade e num momento também de inflexão, o impeachment foi uma estratégia relativamente fácil e eficaz na medida em que Collor não possuía um partido político e nem parte organizada da sociedade civil como sustentação de seu poder. Quando o empresariado tirou o apoio a ele por não concordar com o seu “choque de capitalismo”, nada mais restava. Com a Dilma foi diferente, pois ela tinha um partido com raízes na sociedade civil organizada e nos movimentos sociais. Essa diferença é capital para entender o desdobramento pós-impeachment. É bom observar que nesta alternância de poder de Dilma Roussel, os organizadores dessa estratégia têm tido relativo sucesso nessa empreitada. Um outro detalhe também significativo é que essa eleição, de 2018, será também para suceder um presidente de baixa popularidade, Michel Temer, e em ambas, num momento de inflexão de nossa democracia.

O radicalismo do pleito que reelegeu Dilma não ficou esquecido e continuou durante esses anos de seu segundo mandato e cada vez mais forte. Isso revela o dilema da crise brasileira: os partidos políticos. É um momento propício para se pensar numa reestruturação e o ajuste na caminhada democrática. E o processo de participação política de pessoas que combatia a corrupção, no chamado “mensalão”, e também aquelas que saíram nas ruas para protestar contra o aumento das passagens de ônibus, em 2013, esmaeceu, mas ficou presente uma semente de fidelização partidária propícia para a construção de uma cidadania cada vez mais crítica. Do ódio partidário podem surgir partidos para garantir a base política de um Brasil que aponta para o futuro.

Há sintomas claros de fragilidade da organização dos partidos políticos nessa trajetória de Collor para Dilma. Os movimentos sociais foram as principais formas de organização da sociedade civil, importantes, mas não substituem os partidos políticos como representação política e orientação das políticas públicas. Os dois últimos anos em que nosso viajante se ausentou, contudo, foram tempo suficiente para que se introduzissem graus de incertezas nas instituições e assim revelasse alguns dilemas na caminhada em direção a um fortalecimento democrático. Fica evidente que a democracia brasileira estava numa zona de conforto e se acomodara naquilo que O’Donnell, um dos estudiosos da transição da ditadura para a democracia, chamou de democracia delegativa aliada ao patrimonialismo, muito estudado por Raimundo Faoro. Esse cenário permaneceu como se fosse definitivo.

Nesse percurso transitório, os poderes Executivo e Legislativo foram criticados pesadamente. Isso devido ao modelo de presidencialismo de coalizão ter fragilizado o Legislativa. A cooptação é um preço individualizado que os membros desse poder possuem. Jean J Rousseau, o intelectual da Revolução Francesa, não acreditava nesse tipo de representação e defendia a democracia direta, a expressão da Vontade Geral. A governabilidade numa delegação depende de pessoas e não de partidos políticos, pois, está na capacidade de administrar os recursos disponíveis a oferecer para garantir a governabilidade. Esse quadro contaminou todos os poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário. Assim, o ponto mais negativo é que tirava do povo a fonte do poder. O’Donnell identificava como democracia frágil.

Se o Executivo e o Legislativa são instrumento da representação política, o Judiciário, mesmo não recebendo diretamente do povo o seu poder, é decisivo na construção de uma ética liberal e imprescindível para o fortalecimento das instituições. Sem segurança jurídica não há empresário que se arrisque a investir de forma consistente. Dinheiro e organização política são os recursos mais decisivos para o poder político e as políticas públicas. Economia e Política se encontram num Estado burguês. E a ética é o elo civilizatório dessa sociedade que se caracteriza por forte competitividade e um potencial estado de guerra civil.

A complexidade da crise brasileira não se encerra com o debate sobre “conspiração” ou “golpe”, pois é da essência da política essa “correlação de forças da sociedade civil”, como o próprio Maquiavel já chamava a atenção no Renascimento. A ética, neste caso, está em respeitar as regras pactuadas, as leis. Nesse ponto, quem determinaria o caminho para o poder seriam as alianças mais fortes e com mais recursos políticos, sendo que o judiciário seria um elemento judicante desse processo, tendo um papel, como dito, decisivo. Como numa partida de futebol, se o juiz for partidário, a partida perde o brilho. O momento mostra a necessidade do aperfeiçoamento dos pesos e contrapesos entre os poderes. Nesta crise em questão, o sistema Judiciário, judicializando a política, e politizando suas ações, passou a receber fortes críticas de intelectuais e juristas, não apenas nas redes sociais.

O momento mais crítico para a eleição de 2018 será a candidatura de Lula. A percepção momentânea de que a famigerada lei da Ficha Limpa, realizada para a santidade dos políticos e não se pensou na representação, seria um instrumento “político” para eliminar um competidor que se apresenta como o mais competitivo. Isso fez agitar os partidos políticos e a luta para ocupar esse vácuo. Esse é o debate que tem impactado as redes sociais, um novo instrumento que tem sido utilizado pela sociedade como alternativa das redes chamadas abertas e oficiais.

Apesar da fragilidade dos partidos políticos, percebemos que o Brasil possui já um sistema partidário em processo de estruturação que busca se consolidar. Esta era a tese de Olavo Brasil, de saudosa memória, professor de Ciência Política do IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e, depois, da Universidade Federal de Minas Gerais, ambas instituições reconhecidamente de ponta. E este será o tema de nossa próxima reflexão, tendo como foco os partidos políticos e sua reestruturação após o terremoto acontecido nas principais lideranças tradicionais, sobretudo dos dois principais partidos políticos, o PT e o PSDB, que lideraram a transição democrática do Brasil.

 

Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.

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Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.

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