A imprensa livre do dinheiro do poder público e das estatais: seria melhor ou pior? por Osvaldo Euclides

A Constituição diz que todos os atos públicos praticados por servidores e governantes devem respeitar aos seguintes princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Ou seja, todo ato tem que que estar previsto  na lei, exige o tratamento igual para todos, não pode afastar-se da moralidade, tem que ser dado ao amplo conhecimento da população e tem que ser feito com bons resultados e baixo custo. A junção da primeira letra dos cinco princípios compõe a palavra LIMPE.

Também diz a Constituição, no mesmo artigo 37: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.”

Num Brasil radicalmente dividido entre “nós” e “eles”, entre “os intervencionistas” e os “de mercado”, a campanha eleitoral vai ser palco adequado para a discussão de temas delicados e sérios que a radicalização atual não permite. Parece que ninguém tem paciência de ouvir o outro, ninguém quer sequer conhecer o argumento do outro – nesse clima tudo descamba para a grosseria ou para a violência.

Li no texto do jornalista Mauro Lopes, do Caminho pra Casa, a proposta de “zerar a publicidade pública e de estatais”. Eu generalizo a ideia dele, embora ele a apresente contra a concentração exagerada do quadro atual de audiência da imprensa. Ou seja, ele a propõe como forma de combate ao atual monopólio (ou cartel) da indústria da informação. Segundo o jornalista, a ideia precisa de um contexto político de redemocratização.

A ideia tem muita força própria. Para o leigo, a publicidade parece sempre supérflua. A publicidade é uma forma decisiva da relação entre governo e mídia, feita com dinheiro, assim como a informação também é (esta sem dinheiro). Governos são sempre a maior e mais decisiva fonte de informação da mídia. Governos também são sempre o maior cliente de publicidade. Governo e mídia partilham a informação (que é bem público) e dinheiro (a verba de propaganda). É uma mistura fina e delicada, que exige das duas partes uma atitude e um comportamento de alto padrão (o que usar como adjetivo? Alto padrão ético? Alto padrão moral? Alto padrão de republicanismo? Alto padrão de cidadania? Como cobrar esse padrão se não se pode sequer medi-lo?). O conflito de interesses é evidente.

Aqueles que defendem a não-interferência do Estado nos negócios, apoiando a ideia de que todos devem se submeter às regras de mercado e só sobreviver se o mercado assim permitir (ou seja, o poder público fica fora), certamente apoiarão a proposta, dizendo que essa relação é inevitavelmente promiscua e que certamente está eivada de corrupção e propina disfarçada de interesse público.

Aqueles que defendem um papel ativo do Estado como indutor do crescimento econômico e do desenvolvimento, combaterão a ideia, apoiando a tese de que o Estado deve atuar nas imperfeições e incompletudes do mercado e que os representantes legítimos da população precisam contar com instrumentos de comunicação de massa ágeis e de grande cobertura.

São legítimas as duas formas de pensar.

Relendo os dois parágrafos acima, é possível sentir alguma desconformidade nas duas hipóteses. Há algo de paradoxal nas duas posições hipotéticas, ou, pelo menos, de contraditório. A conferir se liberais e intervencionistas confirmarão.

O fato é que este é mesmo um assunto importante, mas delicado, e que nunca foi devida e abertamente enfrentado e debatido. Também o debate pode oferecer propostas intermediárias inteligentes e razoáveis entre o “tudo ou nada”.

Tratar apenas da verba de propaganda pode não ser a forma mais eficaz de abordar a evidente distorção da indústria da informação no país. Países mais desenvolvidos ou não (Estados Unidos, Inglaterra, todos os escandinavos, até México e Argentina) trataram da questão da desconcentração da informação de forma eficaz, através de normas de caráter econômico que evitam e impedem monopólios e excessos de audiência e de poder. Simplesmente estabelecendo limites geográficos, de participação cruzada, de superposição de concessões, de produção própria e regionalizada etc.

Alguns assuntos não podem ser deixados apenas ao sabor do mercado. A informação é um bem especialmente relevante e estratégico.

O problema sempre escapou da discussão natural e livre, sobretudo porque as grandes empresas de comunicação, líderes de ontem e de hoje, não se interessam por ele, e carimbam rótulos incômodos a quem quer que puxe o cordão do debate. E, mesmo líderes e competentes, elas precisam da verba estatal, o mercado de anunciantes privados não é o bastante, nunca foi.

Quanto ao respeito à Constituição, o problema é um só: como medir e cobrar o cumprimento formal e regular de princípios vagos como moralidade e eficiência?

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.