A imprensa livre do dinheiro do poder público e das estatais: seria melhor ou pior? – Parte II – por Osvaldo Euclides

No primeiro texto, expusemos dois pontos de vista básicos sobre a ideia da independência da imprensa em relação ao dinheiro público e das estatais. Vamos explorar um deles hoje: o que se pode chamar de pensamento liberal, neoliberal, privatista, de mercado ou não-intevencionista.

A tradicional e grande imprensa brasileira, concentrada no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, composta por não mais do que meia dúzia de empresas controladas por seis famílias, é formuladora e formadora das ideias que, pela repetição e pela exclusão das outras, dominam o debate público. Como essas empresas-instituições são poucas e têm imensa afinidade ideológica e partidária, conseguem, com incomum facilidade, construir consensos que se impõem a todos os brasileiros e brasileiras. Esses consensos (artificialmente construídos ou apenas o espelho da convicção dessas seis famílias) se espalham pelos jornais, pelas rádios e pelas repetidoras de televisão regionais – e a realidade regional reproduz a mesma concentração nacional de forma ainda mais radical. Os profissionais de jornalismo são levados a aderir a esses consensos, e a administrá-los e protegê-los, para poder subir na hierarquia, para ocupar espaços nobres e mesmo para se manterem ativos. O que muda em cada veículo é uma questão de tom e de estilo. É a esse processo que se convenciona chamar de formação da opinião pública do país, no nosso caso.

Um desses consensos consolidados é que o Estado interfere demais. O Estado invade indevidamente a economia para cobrar impostos e contribuições excessivos. Para isso, cria burocracia exagerada e inútil, restringindo a liberdade e prejudicando a criatividade, a produtividade e a competitividade das empresas. Assim, tira a força da economia de mercado. O Estado, portanto, só atrapalha.

Segundo este pensamento, repetido à exaustão no noticiário, nas colunas e nos editoriais, o certo seria o contrário disso: o Estado deve desburocratizar tudo, reduzir os tributos e privatizar tudo o que for estatal, deixando ao mercado livre decidir quem deve sobreviver e crescer. Quem tiver competência, que se estabeleça. Seria a dança da meritocracia.

Segundo esse consenso do jornalismo brasileiro, Banco do Brasil, Caixa Econômica, BNDES, Petrobrás, Eletrobrás, BNB e outras menores podem, devem e precisam ser privatizados. São, essencialmente, cabides de emprego, janelas de corrupção, paraísos de ineficiência. O Estado não tem que se meter nesses assuntos e nessas atividades, deve deixá-los à livre escolha do mercado, que premia o mérito e não o discurso. A ideia avançou no passado recente quando privatizaram-se os bancos estaduais, a distribuição de energia e a telefonia. E continua avançando, agora na educação e na saúde de forma mais discreta, quase sutil. Como aconteceu com o transporte, com a energia e com a comunicação, um dia tudo em educação, segurança e saúde também poderá ser privado.

É nesse contexto, na premissa óbvia da coerência com seu próprio discurso, mesmo relevando ainda o conflito de interesses, que se coloca naturalmente para debate a ideia de que sejam eliminadas as verbas dos orçamentos públicos e das estatais para propaganda. Por que devem os governos e as estatais serem anunciantes dos veículos mais bem sucedidos do mercado? Todos eles têm já história e trajetória para declararem sua própria independência do dinheiro público. O mercado os reconhece e admira. Com todos os defeitos e com todas as críticas que possam ser feitas, há mérito indiscutível no seu longo e difícil percurso.

Evidentemente, a indústria da informação é importantíssima. A informação é um bem público, e se situa entre os mais estratégicos de uma nação, e é de utilidade e de alto interesse da população. Mas também o foram (e o são) a telefonia, a energia, o petróleo, e nem por isso a sua privatização foi evitada.

Não custa lembrar que rádio e televisão são concessões públicas, apenas jornais e revistas são iniciativa privada no sentido puro. Não custa lembrar que os jornais já recebem um significativo benefício fiscal (subsídio com dinheiro do orçamento): todo o papel usado é isento de impostos, e isso não é pouca coisa. E, por uma interpretação mais favorável de uma regra constitucional específica, nem jornais nem revistas recolhem os tributos que incidem sobre o faturamento com a venda de produtos e serviços.

De certa maneira, a prestação de contas do poder público tem, nos dias atuais, perfeitas condições de ser feita sem a participação da imprensa tradicional, com qualidade, com agilidade, a baixo custo. Com ela, a imprensa tradicional, claro, a propaganda pode ser mais eficaz. Afinal, a imprensa não é uma moldura neutra. Entretanto, há hoje mecanismos alternativos eficazes e suficientes para uma eventual substituição, tão democratizada está a malha de comunicação que a festejada tecnologia de informação trouxe.

Nem cabe agora discutir se os veículos que se caracterizam como concessão pública poderiam (ou deveriam) oferecer espaço livre para a publicidade oficial, como, em parte, já o fazem na “Voz do Brasil” e no Horário Eleitoral, ainda que sob veemente protesto. Esta é outra questão.

Em termos de coerência com o pensamento liberal, esta é uma primeira abordagem da questão.

Que falem os liberais.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.