Pode-se afirmar com pequena margem de erro que todos os grandes jornais, revistas, rádios e televisões se declaram livres, independentes e isentos. Mais do que como empresas, eles se colocam como instituições que lidam criteriosamente com um bem público estratégico, a informação. E que atuam na formação da opinião pública com responsabilidade e compromisso exclusivo com a verdade, com princípios e valores elevados. Enfim, posicionam-se como trincheira de defesa do interesse do povo. É fácil encontrar esta declaração de princípios em seus editoriais de forma quase unânime.
O peso do Estado na economia brasileira é enorme. A arrecadação total gira em torno de um terço do Produto Interno Bruto, considerando-se o país. Este percentual varia de um estado para outro, mas pode crescer muito nos menos desenvolvidos. Além disso, há que se considerar que o Estado é anunciante regular, verbas de propaganda fazem parte dos orçamentos municipais, estaduais e do federal. E as empresas estatais, quase todas de grande porte, listadas entre as maiores do país, também são grandes e permanentes clientes dos veículos de comunicação de massa. Desde a segunda metade dos anos 1980, com a redemocratização, a comunicação alcançou uma dimensão estratégica na administração pública em todos os níveis, em todas as esferas.
Tornou-se, com o tempo, inevitável que as verbas de comunicação dos orçamentos públicos e das empresas estatais se transformassem numa ferramenta relevante da engrenagem do relacionamento entre o gestor público e os veículos de qualquer porte, de qualquer mercado, nacional, regional ou local. É um tipo de negociação sutil, feita quase sem palavras e sem qualquer formalização. As duas pontas do negócio pressionam ou cedem uma à outra, conforme as circunstâncias e de acordo com a força e a habilidade das partes. Os dois lados sempre têm muito a ganhar ou muito a perder.
Se a análise parte da ideia de que os veículos são empresas privadas (e que tudo fazem de forma aberta e transparente, e podem, pois, ter sua independência medida e testada todo dia, e este é o seu discurso), é da sua natureza buscar maximizar seus lucros. Não caberia, portanto, em nenhuma hipótese, agir contra os próprios instintos e abrir mão da verba de qualquer cliente, muito menos aquele que é o maior, mais aberto e mais assíduo, o poder público e suas estatais. Nessa visão, tirar o Estado da lista de clientes seria excluir algo entre um quarto e um terço do mercado, numa estimativa conservadora. Impensável?
Este poderia ser um pequeno conjunto de argumentos em defesa da manutenção pelos veículos privados do Estado entre os clientes. Sem falar de todos os outros argumentos razoáveis da importância do Estado ter uma canal de comunicação eficaz com a população, para, nos termos da Constituição, fazer anúncios de “caráter educativo, informativo ou de orientação social”, como manda a Constituição e que não cabem no critério de notícia. E, já que estamos do outro lado do pensamento mais liberal, o Estado poderia e deveria, através da comunicação, induzir o crescimento econômico…
Percebe-se, pois, que do lado das ideias mais intervencionistas e desenvolvimentistas é mais fácil, em tese, defender que os veículos não abram mão da verba de propaganda orçamentária e das estatais.
A questão, entretanto, não é apenas esta. O empreendedor privado não costuma abrir mão de nada, nem de direitos, nem de interesses, mormente quando legais e legítimos.
A questão pode ser colocada é se não deveria o Estado, por mil e uma razões, tomar a iniciativa e zerar a verba de propaganda. O Estado é que precisa ter, deve ter e tem limites de todo tipo para gastar dinheiro público. O Estado é que deve se questionar se esta é uma destinação de todo ponto de vista legítima, dadas as circunstâncias que mudaram dramaticamente na gestão pública, no ambiente político e na comunicação. Os fatos recentes estão aí à vista de todos, para constrangimento geral, tornando delicados e sensíveis todos os relacionamentos entre o público e o privado. Os fatos também recentes nas abundantes e eficazes tecnologias de comunicação abrem inúmeras infovias opcionais quase tão eficazes quanto as tradicionais.
Entretanto, o coração da discussão pode não ter sido sequer tocado. Vamos em frente.